Título: Dom Odilo critica uso de igrejas na disputa
Autor: Agostine, Cristiane ; Cunto, Raphael Di
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2012, Política, p. A10

O cardeal arcebispo da Arquidiocese de São Paulo, dom Odilo Scherer, afirmou ontem, durante debate com candidatos à prefeitura paulistana, que a Igreja Católica é contra a "instrumentalização da religião em busca de poder político". "Não aprovamos que nossas igrejas sejam transformadas em currais eleitorais, e também que o voto dos nossos católicos seja imposto como um cabresto eleitoral por ministros religiosos", disse.

Compareceram ao debate Fernando Haddad (PT), Gabriel Chalita (PMDB), José Serra (PSDB) e Soninha Francine (PPS). Líder nas pesquisas, Celso Russomanno (PRB) recusou-se a participar após a arquidiocese divulgar carta nas missas, lida inclusive pelo próprio dom Odilo, com críticas ao coordenador da campanha e presidente nacional do PRB, Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).

Em crítica velada à influência da Iurd na campanha de Russomanno e da briga dos candidatos pelo apoio de outras congregações evangélicas, dom Odilo disse que é preciso tomar cuidado com a mistura entre religião e eleição. "Isso poderia deixar divisões e feridas dificilmente cicatrizáveis no seio das religiões", argumentou.

O cardeal admitiu, no discurso de abertura, que a Igreja Católica deu orientações aos fiéis, mas "sem indicar nomes ou partidos, deixando as escolhas livres ao cidadão que deve exercer seu direito de voto e também liberdade de consciência". "Esse papel para mobilizar a favor e apoiar cabe especificamente aos fiéis leigos."

Com a ausência de Russomanno, os momentos de maior tensão ficaram na troca de acusações entre Serra e Haddad. Enquanto o petista investiu nas críticas à gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), o tucano reforçou a comparação da gestão Kassab, seu aliado, com a de Marta Suplicy (PT), que governou a cidade entre 2001 e 2004.

"Fala-se muito no incêndio da favela do Moinho [ocorrido esta semana]. Mas há um dado importante: no período 2001 a 2004, ocorreram 738 incêndios. De 2009 a setembro de 2012, [foram] 361", disse. "A queda ocorreu por causa da urbanização de favelas", afirmou Serra, que também citou dado de que a atual gestão teria construído cinco vezes mais creches por ano que a do PT.

O petista, ex-ministro da Educação, disse que sua gestão fez a maior expansão da história nos ensinos básico, fundamental, médio e superior. "Com a mudança do Fundef para Fundeb, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva investiu, pela primeira vez na história do governo federal, na atenção ao ensino básico", afirmou.

Já Serra disse que o PT votou contra a criação do Fundef no governo Fernando Henrique Cardoso e que o projeto do Fundeb não previa o atendimento ao ensino básico quando foi enviado por Lula ao Congresso.

O tucano bateu diretamente no petista ao dizer que o Ministério da Educação anunciou a construção de seis mil creches em 2007, mas que "até hoje não foram feitas mais do que 300". "Me lembro de Santo Agostinho, que disse que não é suficiente querer fazer coisas boas, é preciso fazê-las bem", afirmou.

Haddad ironizou: "Fiz doutorado em Filosofia na Universidade de São Paulo [USP]. Não gosto de citar frase que leio em orelha de livro".

Em outro bloco de perguntas, foi Haddad que partiu ao ataque. Chamou de "higienista e arbitrária" a política de Kassab para os moradores de rua, que usaria a Guarda Civil Metropolitana (GCM) para retirá-los à força do centro. "A militarização vai ser substituída pela polícia comunitária, que aborda a população, mas para resgatar as pessoas", disse.

Serra rebateu que foram feitas apenas oito queixas de abuso contra a GCM - embora admita que provavelmente existam casos não registrados. Haddad retrucou: "A população de rua não faz boletim de ocorrência. Mas os convido a amanhecer no centro para ver como a população de rua é acordada, sobretudo no chamado circuito por onde passam as autoridades."

Os temas polêmicos, como aborto, união homoafetiva e o chamado "kit gay" não foram citados.

Chalita foi o único a criticar Russomanno durante o debate. Disse que a "picuinha" entre os PT e PSDB tornou Russomanno líder na eleição e que isso é "absolutamente preocupante. "Fico ouvindo as "não propostas" do candidato e fico extremamente preocupado com isso, ele não tem projeto para uma cidade tão complexa", afirmou o candidato do PMDB. Após o debate, em entrevista aos jornalistas, Serra e Haddad reforçaram o discurso de que o candidato do PRB "não tem propostas".