Título: Lewandowski pede duas absolvições
Autor: Basile, Juliano ; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2012, Política, p. A13

Após um amplo voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, pela condenação de 12 réus vinculados a partidos políticos no processo do mensalão, o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, abriu divergência e pediu aos demais integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) duas absolvições nos dois únicos casos em que ele votou até aqui.

A 26ª sessão do mensalão teve início, ontem, com um voto destruidor para os políticos que receberam saques no Banco Rural sob a autorização das agências do publicitário Marcos Valério, entre 2003 e 2004. Barbosa desqualificou a tese montada pela defesa de que o dinheiro foi destinado para caixa dois de campanha. Para o relator, o STF teria que ser muito ingênuo para acreditar nessa teoria e a destinação que os políticos deram ao dinheiro é irrelevante, pois o simples recebimento já configura corrupção.

"Ao sustentar que o dinheiro foi pago para sustentar caixa dois de campanha, não se responde em troca de quê as solicitações foram feitas", afirmou Barbosa. "Deve-se analisar se receberam o dinheiro em troca da fidelidade de compor a base aliada do governo", continuou o ministro. "As provas conduzem à conclusão de que os parlamentares acusados, valendo-se de suas funções, condicionaram seu apoio e de suas bancadas ao recebimento de recursos para si e seus partidos", concluiu o relator. Segundo Barbosa, quem não votasse com o governo deixaria de receber os recursos. "A lealdade parlamentar é uma das armas na obtenção de vantagens no governo", declarou.

O ministro utilizou um depoimento da presidente Dilma Rousseff ao Ministério Público para concluir que houve compra de votos no Congresso. Antes de se tornar presidente, Dilma teria admitido surpresa com a rapidez com que foi aprovado o marco regulatório do setor energético. O projeto foi enviado em 11 de dezembro de 2003 e aprovado em 15 de março de 2004. Na época, Dilma era ministra das Minas e Energia. "A depoente disse que se surpreendeu com a rapidez da votação desses projetos", afirmou Barbosa. "O que houve foi a compra de parlamentares para consolidar a base aliada do governo durante todo o período dos pagamentos", enfatizou o relator.

Barbosa afirmou ainda que os partidos competem entre si e, portanto, não deveriam se ajudar pagando as campanhas uns dos outros e apontou para a condenação dos réus do PT ao ressaltar que os saques foram feitos para que outros partidos compusessem a base aliada do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com "vultosas transferências" entre 2003 e 2004, principalmente nos períodos de votação das reformas tributária e da Previdência.

Ao todo, o relator condenou dez réus vinculados diretamente aos partidos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro: o deputado Pedro Henry (PP-MT), o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), o ex-assessor parlamentar João Cláudio Genu, o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), que era do antigo PL, Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, o ex-deputado Bispo Rodrigues (PL-RJ), o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o ex-deputado federal Romeu Queiroz (PTB-MG), ex-primeiro secretário do PTB Emerson Palmieri (absolvido apenas em três das dez acusações de lavagem), além do ex-deputado José Borba (PMDB-PR). Barbosa condenou ainda cinco réus por formação de quadrilha: Corrêa, Henry, Genu, Valdemar e Jacinto Lamas. Para completar a lista, o ministro pediu punição para os ex-sócios da corretora Bônus Banval, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg por terem auxiliado a cúpula do PP no recebimento do dinheiro (lavagem e formação de quadrilha).

Em seguida, Lewandowski votou a situação de dois réus e, em ambos os casos, pediu absolvições. Para o revisor, Henry não pode ser condenado "simplesmente por ter sido da cúpula do PP". O ministro citou um depoimento de Genu em que esse último admite que as ordens de repasses foram dadas por Corrêa e José Janene, deputado do PP que foi um dos 40 réus iniciais do mensalão e morreu em 2010: "Henry não tem nenhuma ligação com a Bônus Banval e não se pode imputar a ele o crime meramente por ter sido da cúpula do PP", disse Lewandowski. "Foi Janene que indicou a Bônus Banval. Foi Janene, eu insisto."

O revisor também pediu a absolvição de Corrêa por lavagem de dinheiro. Lewandowski votou pela punição ao ex-deputado por corrupção, ressaltando que o fazia apenas de acordo com as premissas levantadas pelos demais ministros no início do julgamento do mensalão. Ele leu trechos de votos anteriores em que a maioria da Corte firmou o entendimento de que basta receber ou solicitar dinheiro indevido para ser condenado por corrupção. Segundo essas premissas, não é preciso mostrar que houve contrapartida ao dinheiro recebido. Por esse motivo, Lewandowski alegou que não iria tratar das acusações de compra de votos, mas apenas do recebimento ou de solicitação de dinheiro.

O revisor alegou que Corte mudou sua orientação em relação ao crime de corrupção, que antes exigia a demonstração de um "ato de ofício" (contrapartida) para a condenação. "Agora, basta para a configuração do delito de corrupção passiva que se demonstre o recebimento de vantagem indevida", disse Lewandowski. "Por isso, deixo de levar em consideração um fato interessante apresentado pela defesa, qual seja o de que o réu [Corrêa] não participou das votações da reforma tributária nem da Lei de Falências."

Dentro desse entendimento de que deveria seguir o novo entendimento da Corte, Lewandowski condenou Corrêa por corrupção (recebimento de dinheiro). Por outro lado, ele argumentou que o réu não poderia ser condenado por outro crime pelo mesmo fato. Assim, ele absolveu Corrêa por lavagem. "Esse único fato, o recebimento de propina de forma camuflada, não pode gerar duas punições distintas, uma por corrupção passiva e outra por lavagem", justificou.

Durante a sessão, houve outro contraponto a Barbosa, feito pelo ministro Marco Aurélio Mello que questionou se o fato de um deputado mandar alguém retirar dinheiro em seu nome configuraria lavagem. É o caso de Borba que recebeu R$ 200 mil através de Simone Vasconcelos, ex-diretora financeira da SMP&B, de Marcos Valério. Ela viajou de Belo Horizonte para Brasília apenas para fazer o saque e entregá-lo ao então deputado. Barbosa respondeu que o problema foi o de tentar ocultar o recebimento e que isso configura crime de lavagem de dinheiro. Os ministros Gilmar Mendes e Carlos Ayres Britto, presidente do STF, apoiaram Barbosa nessa discussão, o que mostra que os contrapontos ao relator estão sendo minoria.

O julgamento continua na segunda-feira com a retomada do voto de Lewandowski a respeito de outros réus que receberam saques no Rural.