Título: Argentina pode ter de pagar juro por manipular inflação
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2012, Internacional, p. A15

A distorção nas estatísticas argentinas provocada pelo cálculo manipulado da inflação poderá pela primeira vez onerar o Tesouro argentino, em vez de beneficiá-lo. Ontem, o ministro da Economia, Hernán Lorenzino, entregou a proposta orçamentária ao Congresso, em que se prevê um crescimento do PIB de 3,4% este ano. Se isso de confirmar, o governo argentino terá que pagar remuneração aos detentores de títulos vinculados à variação do PIB. A depender do câmbio em dezembro do próximo ano, a conta ficará entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões.

Esses títulos de dívida pública, conhecidos como "bônus PBI", garantem remuneração todo ano em que a economia cresce mais de 3,2%. Como a inflação oficial na Argentina está abaixo de dois dígitos, mas a variação de preços real é da ordem de 25%, o PIB é distorcido para cima. Em 2011, o crescimento oficial da economia foi de 9%, mas o estimado por economistas independentes foi 7%. Este ano, a previsão de consultorias e bancos para o PIB oscila entre zero e 2%.

Na consultoria Econométrica, as projeções de pagamentos da dívida para 2013 já começam a ser revistos para incluir a possibilidade de pagamento do "bônus PBI". Nas simulações iniciais, essa hipótese não era considerada e previa-se um ano de folga fiscal para o governo argentino, com vencimentos da dívida privada de apenas US$ 6,5 bilhões em 2013.

"Ainda me custa crer que deixarão isso acontecer, mas o fato é que a economia dá sinais de recuperação neste segundo semestre e, do ponto de vista das estatísticas oficiais, é possível", disse Ramiro Castiñera, economista da consultoria. Nos sete primeiros meses do ano, o crescimento oficial acumulado foi de 2,8%. O "bônus PBI" foi lançado em 2005, na renegociação da dívida que estava em "default".

Os demais números anunciados por Lorenzino, como o crescimento do PIB de 4,4% em 2013, o superávit primário de 1,7% para este ano e o próximo e a previsão de inflação de só 9% foram recebidos com ceticismo por especialistas. " O orçamento prevê um crescimento nominal do gasto público de 16% no próximo ano, quase a metade da variação de 2012. E 2013 será um ano eleitoral", comentou o economista José Luis Espert.

O orçamento mostra uma possível contenção dos subsídios. Pelos números, o repasse de dinheiro para áreas como energia e transporte deve atingir 73 bilhões de pesos, ou US$ 16,3 bilhões. Isto equivale a cerca de 3,5% do PIB, ou meio ponto percentual abaixo do registrado no ano passado. Para 2013, a previsão é de despesa da ordem de US$ 15,4 bilhões. Houve cortes este ano no subsídio à energia para bairros ricos de Buenos Aires e vários setores econômicos.

O sistema político argentino dá ao presidente um poder em relação ao orçamento muito maior do que no Brasil. Não é possível aos parlamentares na Argentina propor emendas que direcionem verbas às bases de senadores e deputados. O Executivo ainda pode remanejar 100% das rubricas orçamentárias, enquanto no Brasil esta porcentagem não ultrapassa 30%, dependendo da esfera de poder.