Título: Lembo busca saídas para evitar paralisação de obras em São Paulo
Autor: Felício, César e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, Política, p. A5

O sucessor do candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, no governo de São Paulo, Cláudio Lembo, enfrenta problemas para manter o ritmo acelerado de obras deixado pelo tucano.

A gestão de Alckmin no governo de São Paulo pode terminar seus dias em compasso de espera, com atrasos no cronograma de obras, segundo afirma o próprio governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), que assumiu em abril, depois da desincompatibilização do tucano para concorrer à Presidência. Lembo admite: se as estratégias já adotadas pelo governo estadual para aumentar a receita não funcionarem, "vamos ter problema no final do ano".

O governo estadual tenta viabilizar três saídas para fechar 2006 sem déficit, mantendo as obras e um caixa com recursos suficientes para honrar os restos a pagar que serão inscritos para 2007, como estabelece a Lei da Responsabilidade Fiscal: um programa de anistia de multas do ICMS para resgatar parte da dívida ativa, um empréstimo com garantias junto à Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e uma fiscalização contra inadimplência do IPVA.

Se nada funcionar, o que está em andamento normal passa para ritmo lento e o que está lento, pára. "Não tenho capacidade financeira para, até o fim do ano, fazer a liberação de obras. Então, as obras param. Vão ter um ritmo muito menor. As que puderem manter ritmo, manterão, mas tudo com grande parcimônia", disse o governador, procurando deixar claro o que pode acontecer. "Vamos aguardar a anistia e eu posso eventualmente ter um fôlego, mas eu não estou aqui para fazer nenhuma loucura coletiva. Se puder, paga-se. Se não, suspende-se os cronogramas existentes", disse.

A perspectiva de problemas já leva preocupação ao setor privado. As entidades que reúnem as empreiteiras - os sindicatos da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), da Construção Pesada de São Paulo (Sinicesp) e a Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop) - solicitaram formalmente uma audiência com o governador.

"Mudança de governo sempre preocupa. Há sinalizações no governo de que será diminuído o ritmo da administração, alongando o cronograma, sobretudo no setor rodoviário", disse o presidente do Sinduscon, João Claudio Robusti, que em 2005 ingressou na Justiça, junto com outras entidades de credores da prefeitura de São Paulo, contra o alongamento unilateral do pagamento de dívidas herdadas pelo então prefeito, hoje governador eleito, José Serra (PSDB).

A negociação com os empresários foi comandada pelo secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo, Mauro Ricardo Costa, que hoje comanda a equipe de transição de Serra e é cotado para ocupar a secretaria da Fazenda ou de Economia e Planejamento. No governo Lembo avalia-se que os empresários querem definir agora um novo cronograma, para não ter de fazê-lo no próximo ano.

O governo estadual reage com irritação a qualquer tipo de aproximação entre a situação atual e a encontrada por Serra, que sucedeu a administração petista de Marta Suplicy. A administração municipal petista é acusada pelo PSDB e por empresários de ter deixado dívidas da ordem de R$ 2 bilhões (13,9% do Orçamento de 2004, de R$ 14,3 bilhões), entre elas débitos referentes a serviços executados e não pagos. A ex-prefeita afirma que não cancelou empenhos e que cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso do Estado, há diferenças de quantidade e qualidade: os montantes envolvidos são menores, o Orçamento do governo paulista é maior (R$ 80,7 bilhões) e os serviços executados têm sido liquidados.

De acordo com o governador, o déficit orçamentário, por enquanto, existe. "Nós estamos com um déficit de R$ 360 milhões", disse Lembo. A diferença corresponde a 0,4% do Orçamento. Segundo o governador, em maio- um mês após Alckmin se desincompatibilizar- a área econômica do governo detectou uma frustração de receitas, seja própria ou em função de repasses não executados pelo governo federal. "Constatou-se que haveria uma diferença entre o orçado e o realizado de cerca de R$ 1,3 bilhão", disse Lembo.

Tomou-se então a decisão de expedir uma circular para todos os secretários e presidentes de estatais informando que não haveria descontingenciamento dos recursos para investimentos ao longo do ano, como era praxe no governo estadual. O déficit teve um corte em torno de R$ 1 bilhão. A possibilidade de serviços realizados não serem honrados é recebida como um insulto pelo secretário de Economia e Planejamento, Fernando Braga.

"Alongar o cronograma de obras é possível, mas déficit nós não vamos fazer. O que foi executado será pago. Passo maior que a perna este governo não deu e não é agora que vai dar. Mesmo que dê tudo errado, ninguém aqui vai largar nenhum centavo de dívida para trás. A gente não dá a ordem de serviço sem recurso assegurado", disse Fernando Braga.

O secretário irritou-se com a possível cobrança dos empresários para a execução das obras que foram licitadas. "Primeiro (os empresários) reclamam que a gente não começa a obra. Se contratarmos, vão reclamar que a gente não paga. O que eles querem que a gente faça?", criticou.

Segundo a avaliação de Carlos Pacheco Silveira, presidente do Sinicesp, os atrasos de pagamento por serviços executados em São Paulo não ultrapassam 30 dias, o que é considerado normal pelo setor. Embora não haja atrasos significativos no pagamento de serviços autorizados pelo governo estadual, houve uma demora de até três meses para a liquidação de despesas do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), segundo informação de empresários confirmada pelo governador. O problema foi totalmente resolvido até agosto, com uma operação de compra de R$ 100 bilhões de recebíveis do DER pela CPP. "Fizemos esta operação de recebíveis e pagou-se", disse Lembo.

A diminuição no ritmo das obras e a paralização de novas construções "são ações de uma administração responsável", segundo o secretário Braga. Há um ano, a expectativa era oposta. Os investimentos no Estado, da ordem de R$ 9 bilhões, contrastaram com os dos anos anteriores e tiveram um crescimento de 33%.

Para o próximo ano, os investimentos previstos são menores, proporcionalmente ao Orçamento, não apenas em relação a 2006 como a 2005. Naquele ano, os investimentos correspondiam a 9,8% do Orçamento. Em 2006, saltaram para 11,3% e para o próximo ano, caem para 9,1%.

O governo estadual parte da "frustração" nas receitas vindas da União: o governo federal não teria feito repasses para grandes obras e conduzido uma política econômica que levou a uma inflação e crescimento menores do que o previsto no momento em que o Orçamento foi elaborado, em setembro de 2005.

"A previsão de inflação anual em setembro de 2005, quando foi feito o Orçamento para este ano, era de 5,5%. Hoje é 2%. O dólar estava em R$ 2,45. Onde é que está o furo? O que é que estava inflado?", contestou. "As projeções naquele momento estavam corretas e foram mais conservadoras do que as feitas pelo governo federal na mesma época. Tanto é que a oposição pressionou na Assembléia para aumentar o Orçamento". O secretário de Planejamento disse, ainda, que o governo federal deixou de repassar recursos, como do Fundo de Segurança Nacional e Penitenciário, Lei Kandir (cerca de R$ 350 milhões) e recursos para construção de obras, como o Rodoanel (R$ 140 milhões) e os piscinões, para o combate às enchentes.

Braga foi lacônico ao falar do cancelamento da venda de 20% das ações do banco estatal Nossa Caixa, que era uma das alternativas para aumentar a arrecadação no final do ano. Segundo ele, o governo estadual não vendeu ações, ainda na gestão de Alckmin, do governo paulista porque havia duas operações em andamento. "Estávamos fazendo operações de privatização da CTEEP e de capitalização da Cesp". O cancelamento teria sido uma atitude pessoal do governador Cláudio Lembo.

O governador confirma a versão. "As ações são um ativo que tem de ser preservado para o Estado de São Paulo. O Serra foi muito elegante. Eu disse a ele, antes que me perguntasse, que eu ia cancelar a operação, por achar que não era o momento oportuno. Ia preservar o ativo, para que depois ele analisasse o que fazer com o bloco de ações. Logo em seguida ele saiu de minha sala e disse à imprensa".

Sem a Nossa Caixa no cenário, o governo centrou suas apostas no projeto de anistia, encaminhado à Assembléia Legislativa menos de uma semana antes da data prevista para a implementação, nos últimos dias de setembro. Naquele mês, os devedores teriam desconto de 100% da multa. Nos dois meses seguintes, o desconto é de 90% e 80%, respectivamente.

A blitz contra os devedores de IPVA cobrará a dívida referente ao período entre 2001 e 2005, o equivalente a R$ 1,5 bilhão. O aporte da Fapesp é a hipótese menos cogitada pelo governo, por depender de autorização do Conselho da Fundação. Em caso de sinalização negativa por parte dos conselheiros, a tendência do governo estadual é recuar, para evitar uma derrota constrangedora. Operações de empréstimo em troca de garantias entre a Fapesp e o governo estadual não são inéditas. Ainda este ano o caixa estadual pagou R$ 650 milhões de uma operação feita anteriormente. "A Fapesp não será nem abandonada, nem fechada", disse Braga. Segundo Lembo, a fundação conta com recursos da ordem de R$ 1 bilhão, provenientes da vinculação de 1% do ICMS e de fontes próprias.