Título: Limbo minerário
Autor: Filho, Marcello Ribeiro L.
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2012, Opinião, p. A16

Foi uma surpresa a declaração do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, reconhecendo que a suspensão, há 10 meses, de outorga de alvarás de pesquisa e portarias de lavra é mais do que mero casuísmo, mas sim ato deliberado, verdadeira política de Estado levada a efeito para evitar a especulação com títulos antes da vigência do novo marco regulatório.

Surpresa já que, apesar de todos saberem que se tratava de determinação superior, reconhecer o fato publicamente é outra história. Consequência disso é que, salvo com raras exceções, a outorga de alvarás de pesquisa e portarias de lavra, em especial para metais ferrosos, se encontra paralisada e, "pour cause", paralisadas estão as atividades econômicas que dela dependem.

Pior do que a suspensão em si é a forma como se deu. Flagrantemente ilegal e sem qualquer amparo normativo, foi baixada e transmitida verbalmente como se a aplicação da lei vigente fosse faculdade discricionária da administração. Assim, além de impingir enormes prejuízos ao setor mineral, denota a forma como se pretende gerir o setor após a edição do novo marco, expondo, de forma clara, o viés discricionário e obscuro que se pretende emprestar à regulação do setor.

Suspensão das regras atuais de exploração mineral ocorre pela pretensão do governo de elevar a arrecadação

Não se trata de discorrer sobre as vantagens ou desvantagens do atual código. Não se trata, tampouco, de enaltecer ou criticar a sistemática que se pretende implementar com o novo marco, mas sim de garantir segurança jurídica ao setor por meio da aplicação da legislação vigente, conferindo estabilidade institucional para o desenvolvimento da atividade.

A suspensão abrangeu tanto a outorga de autorizações de pesquisa quanto a expedição de guias de utilização e portarias de lavra, abarcando situações diferentes que acabam por impor consequências igualmente diferentes, mas sempre nefastas. Enquanto ao titular de um requerimento de pesquisa o prejuízo impingido possa ser considerado pequeno - até porque é mera expectativa de direito e não é precedido de significativos investimentos - para as situações dos alvarás de pesquisa a situação é bastante diversa.

Os titulares de autorização de pesquisa que já tenham formulado pedido de concessão de lavra já incorreram em vultosos investimentos na pesquisa, licenciamento ambiental e estudos econômicos e, agora, se veem ilegalmente impedidos de dar regular seguimento aos seus projetos em função de mera instrução verbal, agora reconhecida pelo Ministério de Minas e Energia.

Da mesma forma, os titulares de autorizações de pesquisa, ainda que distantes da fase de requerimento de lavra, além de se verem impedidos de obter guia de utilização para testes mercadológicos ou para custear a pesquisa, devem cumprir o plano de pesquisa apresentado empenhando volumosos recursos em sondagens e licenciamento ambiental. Ora, se ao final não obterão a portaria de lavra, de que lhes prestará dar continuidade aos investimentos decorrente das obrigações do alvará de pesquisa?

A situação se mostra ainda mais grave na medida em que, como a suspensão, até onde se sabe, objetiva evitar a especulação até a promulgação do novo marco, é de se esperar que os seus termos já tivessem sido amplamente discutidos com os setores envolvidos o que, infelizmente, não é o caso.

Assim como cabeça de bacalhau, o novo marco é totalmente desconhecido e não foi objeto de discussões com o setor, de forma que, apesar de o governo alardear que pretende reformular o setor mineral mediante o tripé Novo Marco, Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e transformação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em agência, os termos do novo marco são, não se sabe porque, verdadeiro segredo de Estado.

Caso a proposta do governo seja de, antes do encaminhamento ao Congresso da proposta do novo marco, proceder a discussão com os setores envolvidos - o que seria mais do que desejável -, estaremos diante de uma situação igualmente paradoxal já que, ao mesmo tempo em que se discutirão os termos da nova normatização, se manterão suspensos os da vigente. Verdadeiro limbo em que nem se aplicam as normas da lei em curso nem, tampouco, as da regulamentação vindoura. Neste caso, o cronograma que parte de momento político conturbado por conta do cenário político e recesso parlamentar, empurraria a apreciação do novo marco para o ano de 2013, sujeito à postergações já que, pela importância do tema, não se admitirão discussões meramente protocolares.

Assim, forçoso concluir que suspensão vá perdurar, no mínimo, até meados de 2013, após a retomada dos trabalhos pelo Congresso e discussões que se seguirão. Não bastasse a conclusão de que a atual situação de limbo perdurará, vale lembrar que as razões que levam o governo a impor a suspensão são ainda mais desarrazoadas do que o meio escolhido.

Fundamenta-se a suspensão ao argumento de evitar a especulação com os títulos minerários antes da entrada em vigor do novo marco, o que significa admitir que, até a sua promulgação, a pesquisa e o desenvolvimento de novos projetos ficarão suspensos. No entanto, o que se sabe é que a medida, antes de evitar a especulação, tem origem em uma das principais alterações propostas no novo marco, que prevê a adoção do processo de licitação para outorga de direitos minerários, em substituição da atual dinâmica de prioridade. Assim, a suspensão tem fundamento muito mais na pretensão do governo de aumentar a arrecadação do que para evitar a especulação.

A suspensão, que se deu de forma linear atingiu, até agora, cerca de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra, com tendência crescente já que, como visto, não há perspectiva de solução no curto prazo.

Assim, uma das críticas que se faz à proposta de novo marco já se releva verdadeira antes mesmo da sua edição já que, a estabilidade regulatória decorrente de um sistema legal estável, mola mestra do setor, antes mesmo de ser alterada já se mostra nociva na medida em que se traduz em grande instabilidade a um setor que, mundialmente, só se desenvolve em ambientes jurídicos estáveis onde a lei vigente é aplicada.

Marcello Ribeiro Lima Filho é advogado especialista em direito minerário e ambiental.