Título: Presidente joga sua história no lixo, diz FHC
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, Política, p. A6

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) fez ontem um apelo ao atual, Luiz Inácio Lula da Silva: "Não jogue sua história no lixo". Ele se referia à série de denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público que atingem o governo, e afirmou que, na disputa pela reeleição com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, Lula está virando um "político qualquer", destruindo um simbolismo criado em torno de sua imagem ao longo de décadas. "Se ele ganhar a eleição, e daí?, muitos ganham", afirmou o ex-presidente, dizendo que para ele, Fernando Henrique, o mais importante é manter a dignidade e a história pessoal. "Um líder tem sempre que pensar a longo prazo, tratar de não ser somente um ganhador de eleições", afirmou.

FHC passou dois dias em Buenos Aires, convidado para uma palestra no Fórum do Bicentenário, debate promovido pela Sociedade Científica Argentina. Ontem de manhã deu uma longa entrevista para os correspondentes estrangeiros. Ainda no ataque ao adversário do candidato de seu partido, FHC disse que Lula ficou "muito eleitoreiro" e que hoje já não fala mais ao povo usando o termo "trabalhadores", que foi o mote da comunicação com seus eleitores em toda sua vida política, originada na região industrial do Grande ABC. "Agora ele fala em pobres", criticou.

E lembrou o slogan de Lula na campanha do primeiro turno, "Lulinha paz e amor", com ironia: "É meio hippie", para depois comentar que, agora, Lula voltou a ser o que (Leonel) Brizola dizia: "Sapo barbudo". Questionado sobre qual o significado da declaração de Alckmin na quarta-feira, de que, se reeleito Lula, o governo "acaba antes de começar", FHC amenizou, disse que "é (declaração de) campanha". E completou "não somos golpistas". "Se Lula ganhar, será presidente". Mas explicou que, na opinião dele, Lula terá sérios problemas, se reeleito, com a avalanche de denúncias e investigações dos casos de corrupção porque "isso não vão parar".

FHC tentou também revidar as críticas a Alckmin sobre as privatizações de estatais, tema que obrigou o candidato do PSDB a literalmente vestir a camisa das estatais. "Lula critica as privatizações, mas não mudou nenhuma", afirmou, acrescentando que, embora o PT acuse o governo anterior de malversação na venda de estatais, "não há nenhum processo" contra as privatizações de seu governo.

Questionado sobre se considerava que Alckmin era mais conservador que ele próprio, FHC respondeu que "ele não vem da esquerda que eu vim, é de outra geração... nas questões práticas não é conservador, como em educação e economia".

Também procurou rebater as suspeitas de que o Mercosul não seria prioridade para Alckmin. "Creio que não há divergências fundamentais entre os partidos, todos estamos de acordo nos pontos essenciais (...) a posição de Alckmin é fortalecer o Mercosul. Há uma consolidação progressiva, houve momentos de um pouco de indecisão, conflitos de interesses, conflitos comerciais, mas o rumo está aí e não creio que haja nenhuma mudança significativa".

Por outro lado, FHC sustentou que tem respeito e admiração por Lula e frisou que sua avaliação sobre a política econômica e social do atual governo é "positiva", embora muitos dos avanços tenham sido iniciados em seu governo (1995-2002). Disse que "sempre teve uma relação pessoal boa" com o atual presidente e que, se Lula o apoiou para o Senado, ele apoiou Lula nas eleições de 1989, contra Fernando Collor de Mello.