Título: Tucanos defendem maior autonomia para atuação das agências reguladoras
Autor: Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, Especial, p. A14

O principal aspecto a ser abordado em uma eventual eleição do candidato a presidente Geraldo Alckmin (PSDB) no tema dos marcos regulatórios é a revisão da legislação vigente e da que tramita no Congresso Nacional, de modo a garantir a autonomia das agências reguladoras e protegê-las de interferências políticas. A avaliação é de que a lei que criou as agências falhou ao não dar maior amparo ao trabalho a ser desenvolvido por elas, o que ficou comprovado, segundo a coordenação da campanha tucana, pela forma como sofreram interferências político-partidárias durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Até 2002, imaginávamos estar fazendo a coisa mais bem feita do mundo em relação às agências, mas no atual governo percebemos que elas não estavam suficientemente blindadas para serem instrumentos de uma política de Estado. Elas se demonstraram suscetíveis à ingerência governamental. Mostraram que o objeto da politica do governo Lula é o centralismo. Enfraqueceram e desmoralizaram as agências para que as decisões sejam tomadas pelo governo, e não como política de Estado", afirma o coordenador do programa de governo de Alckmin, João Carlos de Souza Meirelles.

A proteção legislativa que um eventual governo Alckmin pretende dar às agências, porém, não retira participação do Estado nas decisões sobre os setores regulados. Para Meirelles, cada um desses entes terá seu papel definido. "As agências precisam ter regras definidas de maneira intangível dentro de um cenário político-econômico geral, como direito de propriedade , ressarcimento de recursos estrangeiros aplicados no país. São as regras genéricas de mercado. E, para cada capítulo -por exemplo, energia hídrica, energia solar, energia térmica- ter regras específicas formuladas pelas agências. Desse modo, as regras gerais é o Estado que formula. Trata-se de política de Estado ampla e de longo prazo, gerida e operada pelas agências, no sentido de estarem permanentemente ligadas às perspectivas de futuro. A agência tem que fazer a operação para que aquela política de Estado seja cumprida", afirma, garantindo não se tratar de independência absoluta. "Não chega a ser blindagem da legislação porque as agências não podem ter tal independência de modo que façam uma política anacrônica. Independência não é fazer o que quer, é fazer o que a política de Estado definir."

A se considerar posicionamentos dos principais formuladores do programa de governo de Alckmin, vê-se que a autonomia e a independência das agências devem ser fiscalizadas pelo Estado, de modo que sejam cumpridas as obrigações assumidas pelo governo e pelas empresas nos contratos de concessão de serviços públicos. Luiz Carlos Mendonça de Barros, um dos principais formuladores da área econômica do programa de governo tucano, é um defensor de que as agências prestem contas de suas ações ao Congresso Nacional e aos órgãos de defesa da concorrência e do direito do consumidor. Mendonça chegou a escrever que o projeto em tramitação atendia às suas expectativas, embora não concordasse com a transferência de algumas funções ao Executivo, quando, em outros países, são do Legislativo. Ele defende ainda que as as licitações para concessão de serviços públicos sejam feitas pelo Executivo e não vê conflito de interesses em empresas estatais participarem dessas concorrências, contanto que o processo todo seja feito por meio de leilões com regras prévias claras, determinadas e sujeitas a consultas públicas transparentes.

Como alguns desses aspectos já estão previstos na lei em trâmite, a elaboração de uma nova lei para o setor é praticamente descartada, uma vez que acreditam serem suficientes apenas algumas alterações para resguardar as agências e atrair os investidores. Um aspecto que há certa concordância é no que se refere aos contratos de gestão a serem firmados entre as agências e os ministérios setoriais e que estabelecerão a elas metas de desempenho, prazos de consecução, estimativa e cronograma de gastos, entre outros pontos. "Contrato de gestão é instrumento ultra-moderno. Isso se usa no mundo inteiro. Até a iniciativa privada usa o dia inteiro isso. Você não entrega determinadas coisas para o sujeito ficar sentado em cima. Por exemplo, temos que tornar o Brasil auto-suficiente em gás natural no mais curto prazo possível. Evidentemente que quem executa isso é a ANP, que tem que usar todas as suas ferramentas para que isso seja cumprido. Então ela tem que ter metas claras, prazos, viabilizar que as coisas sejam feitas." Outro ponto congruente é a disponibilização na internet dos atos e atividades das agências.

A expectativa é de que, em caso de vitória tucana, sejam reunidos juristas e especialistas para a análise das mudanças, que ainda não estão especificadas no programa de governo do PSDB. O tema é considerado prioridade absoluta a partir de 2007. "Temos que tirar o atraso que o Brasil está sofrendo. Não precisamos de nova legislação. temos a nossa postura e ela é essa: as agências terão autonomia e independência e gente competente do ramo para tocá-las e não apenas membros indicados pelo partido eventualmente no poder."

Isso passa pelo reforço financeiro das agências, que foram altamente contigenciados na gestão Lula. Segundo estudo feito pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), somente em 2005 aproximadamente R$ 4,4 bilhões dos R$ 5,2 bilhões destinados no Orçamento às seis principais agências não foram utilizados (84% do total). Na ANP foram contigenciados R$ 2,36 bilhões dos R$ R$ 2,62 bilhões previstos. Já na Anatel foram utilizados R$ 204 milhões dos R$ 2,01 bilhões previstos.