Título: Petistas apostam na aprovação de projeto que institui contratos de gestão
Autor: Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, Especial, p. A14

O governo considera prioritária a aprovação da Lei Geral das Agências Reguladoras e, em caso de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trabalhará no Congresso para que o projeto seja votado nos primeiros meses de 2007. Para o Palácio do Planalto, apesar das emendas, o texto final preparado pelo deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), relator do projeto na Câmara, atende em 95% os objetivos do governo. Um dos pontos mais polêmicos é o estabelecimento de contratos de gestão entre as agências e os ministérios aos quais estão vinculadas, como autarquias especiais, pelos quais os órgãos reguladores serão avaliados e poderão sofrer intervenções com base em metas de desempenho definidas pelo Poder Executivo.

Auxiliares do presidente Lula refutam a tese de que esses contratos de gestão ferem a independência das agências. Para eles, trata-se de uma forma de aumentar o "controle social" e diminuir o "déficit de legitimidade" desses órgãos. Acreditam, inclusive, que as agências podem ganhar maior autonomia financeira com a introdução do mecanismo. Com metas de desempenho claras, ressaltam os formuladores do projeto de lei, as agências vão melhorar as suas condições operacionais e ficarão menos sujeitas a contingenciamentos orçamentários - uma vez que precisarão de recursos para cumprir as metas fixadas.

Na avaliação do Palácio do Planalto, as leis encaminhadas ao Congresso no governo anterior para criar os órgãos reguladores não tinham como foco as agências em si, mas foram meros apêndices para o movimento de privatização de setores como telecomunicações, energia e ferrovias. Exemplo disso, na visão do PT, é o baixo número de servidores concursados em quase todas as agências. Nos últimos anos, os concursos públicos foram ampliados e aumentos salariais diminuíram a distância - ainda gritante - entre os vencimentos de especialistas em regulação nas agências e técnicos de cargos equivalentes nos ministérios.

Com isso, o quadro que descrevem os diretores de agências é preocupante: servidores concursados costumam usar os órgãos reguladores como "trampolim" para outros empregos, seja no próprio Poder Executivo (em ministérios) ou no setor privado.

Praticamente unânime entre os empresários é a avaliação de que as agências foram "capturadas" por políticos nos últimos quatro anos. Com exceção da Aneel, responsável pelo setor elétrico, as demais agências receberam uma ou várias indicações políticas para as suas diretorias, entrando na barganha do governo com partidos da base aliada.

Funcionários graduados do Palácio do Planalto reconhecem que houve um excesso de indicações partidárias nas agências e dizem que, com a eventual reeleição de Lula, os futuros diretores terão perfil mais técnico. A Casa Civil chegou a vetar, em pelo menos três ocasiões, nomes indicados por partidos aliados, segundo o Valor apurou. O caso mais emblemático foi o do presidente da Funasa, Paulo Lustosa, ex-deputado pelo PMDB. Indicado pelos senadores pemedebistas José Sarney e Renan Calheiros para presidir a Anatel, teve o nome vetado pelo Palácio do Planalto.

Algumas agências, entretanto, não só foram tomadas por indicados de partidos aliados como viveram verdadeiras batalhas internas. O caso mais grave foi o da ANTT, criada em 2002 e comandada por José Alexandre Resende, um técnico com ampla experiência no setor, com passagem pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), hoje em liqüidação.

A animosidade entre os diretores chegou a tal ponto que, no ano passado, eles mal se falavam nas reuniões. Três integrantes da diretoria colegiada foram indicações políticas: do PT, do senador Valmir Amaral (PP-DF) e do ministro das Comunicações, Hélio Costa. Um deles era José Airton Cirilo (PT-CE), recém-eleito deputado federal, que perdeu as eleições para governador em 2002, foi premiado com um cargo na agência - mesmo com conhecimento nulo sobre o setor - e tornou-se protagonista no escândalo da máfia das sanguessugas, ao negociar emendas no Ministério da Saúde.

As brigas entre ministérios e agências também foram constantes. Desde fevereiro de 2003, quando o próprio Lula disse que o excesso de poder dado às agências reguladoras havia "terceirizado o poder político no Brasil", em referência aos reajustes de tarifas telefônicas autorizados pela Anatel naquele ano - o IGP-M anualizado, indexador dos contratos, estava beirando 40%. Em quatro anos, a Anatel teve quatro presidentes diferentes, cada um com uma agenda própria para o setor. Em agosto, a agência esteve a um passo de sofrer uma intervenção do ministro Hélio Costa.

O Palácio do Planalto avalia que, com tanta polêmica em torno do tratamento dado pelo governo Lula aos órgãos reguladores, não teria sido possível aprovar a lei geral das agências no Congresso, em 2005 ou em 2006, período de forte turbulência política. Mas aposta que o cenário, no próximo ano, estará suficientemente desanuviado para fazer andar a tramitação do projeto de lei na Câmara e no Senado.

O PT acredita que a falta de uma legislação uniforme para as agências já influencia negativamente a tomada de decisões pelos investidores. Elas foram criadas por leis próprias, praticamente uma por uma. Na nova legislação, o governo espera deixar claro que cabe às agências apenas fiscalizar e regular os setores, sendo de responsabilidade dos ministérios formular políticas públicas e funcionar como poder concedente. Isso já aconteceu no setor elétrico, com o estabelecimento de um novo marco regulatório, em 2004, com a transferência da responsabilidade pelas concessões da Aneel para o Ministério de Minas e Energia.