Título: CVM já considera indícios como provas em processos
Autor: Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2012, Política, p. A11

O julgamento do mensalão le­vantou discussões sobre o papel das provas indiretas na condena­ção de réus envolvidos em crimes do colarinho branco, segundo advogados consultados pelo Va­lor. Nos processos sancionadores da Comissão de Valores Mobi­liários (CVM), os indícios já são considerados suficientes para condenações na esfera adminis­trativa, principalmente em casos de negociação com informação privilegiada — o insider trading, tema que gera polêmica.

O próprio ministro do Supre­mo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux citou a dificuldade de ob­tenção de provas diretas nos ca­sos de insider, durante discurso no julgamento do mensalão em agosto. Segundo ele, o direito penal se vê diante de "delitos que antigamente não eram pre­vistos". "É muito difícil saber que uma pessoa teve acesso a in­formação privilegiada. Mas isso se consegue através de indícios", argumentou, para defender o uso de provas indiretas na Ação Penal nº 470.

Contudo, essa tese está longe de ser consensual. Na CVM, o en­tendimento é o de que a obten­ção de provas definitivas é difícil nos casos de informação privile­giada, exceto na hipótese de con­fissão por parte do acusado ou de relação direta deste com a com­panhia cujas ações foram nego­ciadas. Por isso, a autarquia ad­mite indícios como suficientes para condenações.

"Desde que exista um conjun­to de indícios sérios e convergen­tes, o colegiado [da autarquia] poderá, como já fez em diversas oportunidades, condenar alguém por uso de informação pri­vilegiada. Ainda que não se con­siga precisar como ou por meio de quem o sujeito teve acesso à informação", informou a CVM. A suficiência dos indícios é o ponto que cabe à avaliação subjetiva do juiz. Segundo a autarquia, esse entendimento está em linha com a jurisprudência do STF.

O superintendente-geral da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, afirma que a discussão le­vantada no julgamento do men­salão é bem-vinda. "Para nós é positivo que num julgamento com essa visibilidade em termos jurídicos esteja ocorrendo uma discussão com tanta clareza, mostrando como é natural lidar com esse tipo de prova", disse.

De 2008 a 2012, houve nove processos que resultaram em absolvições e cinco em multas envolvendo insider no Brasil, se­gundo dados obtidos no site da autarquia. Em dois processos os acusados foram inabilitados e em quatro condenou-se parte dos envolvidos. A maioria dos casos, no entanto, não vai a jul­gamento, sendo resolvido por meio de termos de compromis­so, que preveem o pagamento de ao menos duas vezes o mon­tante da vantagem econômica que teria sido obtida.

Até hoje, houve apenas uma condenação penal em caso de insider, que foi o caso do vaza­mento de informação privilegia­da envolvendo a fusão entre Sa­dia e Perdigão em 2011. Outro caso, envolvendo a aquisição da Ipiranga pela Petrobras, corre em segredo na Justiça Federal no Rio de Janeiro.

De acordo com Pinheiro, des­de 2006 a autarquia tem intensi­ficado sua atuação conjunta com Ministério Público e Polícia Fede­ral. "Já temos hoje um tipo de re­lacionamento que explora a má­xima potencialidade", declarou.

Segundo a advogada Ana Pau­la Martinez, do escritório Levy e Salomão, a cooperação entre au­toridades criminais e CVM tende a se ampliar, assim como ocorreu a aproximação destas com o Conselho Administrativo de De­fesa Econômica (Cade) nos últi­mos anos. "É muito difícil obter provas diretas em crimes de cola­rinho branco. Por isso, a coopera­ção entre os entes administrativo e criminal é importante", disse.

Já para o jurista Nilo Batista, em qualquer hipótese, seja no processo administrativo ou cri­minal, os indícios não podem ser considerados suficientes para apontar um crime. "É monstruoso condenar através de indícios, Um autor alemão comparou cer­ta vez os indícios a prostitutas, porque eles se prestam a quem quiser se valer deles", declarou. Para ele, os indícios têm apenas a função de apontar o autor do cri­me, nunca o crime em si.

João Felipe de Mello, do escri­tório Leoni Siqueira Advogados, é um dos críticos da política da CVM. "O problema de se julgar assim é que se força o acusado a apresentar uma prova inequívoca de que aqueles indícios têm um conteúdo imperfeito"", disse. "O ônus da prova passa a ser do acusado", completou.

Segundo estudo do escritório, 75% dos processos da autarquia terminam em termo de compro­misso, e aqueles que vão a julga­mento acabam meio a meio entre absolvições e condenações,

Na opinião de Daniella Reali Fragoso, sócia do Barbosa, Müssnich & Aragão, há várias razões que levam um acusado a optar pelo termo. "A exposição negativa que o nome dele terá no site da autarquia é uma delas", expli­cou a advogada.