Título: Mix da política econômica foi mantido, mas é mais flexível
Autor: Neumann , Denise
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2012, Brasil, p. A4

No dia 30 de agosto, ao explicar os parâmetros utilizados na elaboração da proposta de Lei Orçamentária Anual, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que estimar 4,5% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2013 não era uma previsão, e sim uma meta a ser perseguida. Mesmo diante dessa "confissão", oito economistas que compõem a rede de consulta do projeto de coleta de indicadores do Valor Data não consideram que o governo tenha adotado uma meta implícita, ou mesmo explícita, de crescimento para o país.

Esse consenso desaparece quando os mesmos economistas foram convocados a opinar sobre a mudança ou não do tripé macroeconômico adotado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), composto por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Para parte dos economistas (a minoria), esse tripé mudou, seja porque o Banco Central não persegue mais o centro da meta definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), seja porque o câmbio deixou de ser flutuante.

A maioria dos economistas, contudo, não sanciona a tese da mudança. Para o grupo majoritário, o mix da política econômica foi "aprimorado", "adaptado às novas realidades mundiais", ou está sob uma "condução menos rigorosa". Para esse grupo, a essência continua a mesma.

Dentro do projeto de coleta de projeções dos principais indicadores econômicos do país, o Valor Data começa a fazer, de tempos em tempos, consultas mais "qualitativas" junto às consultorias e departamentos econômicos de instituições financeiras participantes.

Para essa rodada "qualitativa", o Valor Data apresentou três questões aos participantes (ver quadro). O objetivo central das perguntas era entender se os economistas avaliam que há mudança no tripé que tem norteado a condução da política econômica brasileira há mais de uma década, e se o governo passou a mirar uma meta implícita de crescimento. Em resumo, os economistas não consideram que o governo passou a perseguir uma taxa específica de crescimento, a maioria acha que o tripé se manteve, mas a condução é hoje "diferente". Para a maioria, também, BC e Fazenda atuam hoje de forma mais integrada.

Na avaliação de Marcelo Arnosti, economista-chefe da BB DTVM, o governo não tem uma meta de crescimento, mas julga que o potencial do país para crescer está hoje "em torno de 4,5%, 5%, bastante acima do ritmo apresentado no primeiro semestre", que ficou abaixo de 1%. Por isso, diz Arnosti, "com margem para utilização de política fiscal e outros instrumentos, o governo tem buscado estimular a economia e trazer a taxa de crescimento para um ritmo mais próximo ao potencial."

O diretor do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, lembra que "o crescimento do PIB é uma variável endógena, portanto ter meta de crescimento é uma impossibilidade técnica". Metas de expansão do PIB, diz ele, "são praticamente impossíveis de serem cumpridas, uma vez que a política econômica não consegue controlar todas as variáveis que influenciam o crescimento, tanto pelo lado da oferta, quanto pelo da demanda, domésticas e externas."

Barros reconhece, contudo, que "existe uma preferência revelada de política econômica por um crescimento maior, o que é legítimo e positivo diante do complexo cenário global". E essa preferência, diz ele, tem como contrapartida um "grau de tolerância maior com um patamar um pouco acima do centro da meta [de inflação]". É essa tolerância, acrescenta, que faz com que uma taxa de 5% a 5,5% de IPCA não gere hoje "a mesma reação de política monetária que ocorria no passado, quando o regime de metas estava se consolidando".

Braúlio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, argumenta que, se houvesse uma meta de crescimento, a taxa Selic "já estaria perto de zero". Ele vê "uma maior coordenação entre as políticas monetária, fiscal e parafiscal com o objetivo de obter o maior crescimento possível, com inflação estável (no intervalo de 4,5% a 5,5%) e buscando nível real de juro civilizado. Ou seja, estabilidade macroeconômica, e não apenas estabilidade de preços.

O economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, também não avalia que o governo persiga um dado crescimento para o PIB, mas avalia que "o desconforto com o ritmo de expansão do PIB abaixo de 3% parece ser muito grande na conjuntura atual, ainda que esse crescimento mais moderado esteja associado a desemprego baixo e estável e inflação acima do centro da meta".

Para três economistas, entre os oito consultados, o tripé de política econômica adotado há mais de dez anos mudou. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que "a meta de inflação não é a escrita pelo CMN [Conselho Monetário Nacional], e sim em torno de 5,5%; o câmbio decididamente deixou de ser flutuante e voltamos a trabalhar com bandas, entre R$ 2 e R$ 2,1, e cada vez mais há vontade explícita do governo de baixar o superávit primário." Para Vale, "ter mudado o mix em nada ajudou o crescimento. Pelo contrário, assusta os investidores, porque coloca, de novo, um governo excessivamente intervencionista".

Ao lado de Vale, Juan Jensen, da Tendências Consultoria, também diz que "claramente o tripé mudou". Ele relaciona a existência de "bandas informais" para o câmbio, a atuação do BC, que "trata de maximizar o crescimento com restrição de que a inflação não extrapole o teto da meta (6,5%)" e mesmo o superávit fiscal ("ainda a variável mais robusta do tripé"), que começa a dar sinais de mudança. Para ele, a chamada "contabilidade criativa", pela qual o governo faz um superávit fiscal sem esforço, usando, entre outras medidas, a antecipação de dividendos por parte do BNDES e da Caixa Econômica Federal, após as instituições serem capitalizadas pelo Tesouro, significa que "está ruindo a última perna do antigo tripé".

A "contabilidade criativa" também é o argumento usado por Fernando Genta, da MCM Consultores, para justificar que a perna fiscal do tripé foi abandonada, mas ele também considera que o câmbio deixou de ser flutuante e o governo passou a trabalhar com "um piso explícito de R$ 2 para o dólar". Quanto à inflação, Genta não classifica a mudança como um abandono, mas identifica "uma maior tolerância com inflação acima do centro da meta".

Molan, do Santander, não acredita que houve uma mudança radical no modelo. "A novidade está em uma conjuntura global muito mais complexa, que levou os formuladores de política a utilizar um conjunto mais amplo de instrumentos, de forma a atingir objetivos múltiplos", diz ele.

O cenário externo e as teses defendidas por Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, sobre o papel que deve ser desempenhado pela política monetária e a necessidade de que ela concilie várias metas e instrumentos, foram apontados por Barros, do Bradesco, e Borges, da LCA, como elementos do atual mix, que não mudou (na avaliação deles), mas passou a dar pesos diferentes para cada componente do tripé e os "adaptou" aos novos parâmetros das economias local e mundial.

Dentro dessa "filosofia", Barros e Borges veem de forma diferente a condução da política fiscal no atual governo. Um superávit primário de 2%, diz o economista do Bradesco, já estabiliza a relação da dívida como proporção do PIB. Borges - que concorda que a política de capitalização do BNDES e de outros bancos públicos não pode ser uma política permanente, embora tenha sido válida na ação anticíclica de 2008/2009 - diz que o governo está usando o "espaço fiscal" construído ao longo de mais de uma década de ajuste (viabilizado por aumento da carga tributária) para finalmente desonerar o setor produtivo e melhorar sua produtividade. E concorda que juros menores abrem espaço para superávits primários menores sem comprometer a trajetória de queda da relação dívida/PIB.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também não considera que o mix de política econômica tenha mudado. "O que não tem sentido é fingir que não ocorreu uma crise aguda, que ainda não acabou em sua fase crônica, e que ainda pode voltar a ser aguda. Desconsiderar isso é irresponsável e leviano. Não venha comparar [o Brasil] com "comparáveis".

Para ele, a meta de inflação continua em 4,5% -"mesmo não tendo sido atingida em cheio faz três anos". Todo mundo, argumenta, "sabe que a inflação tem um componente de choques, indexação e serviços", e que o aumento na demanda por serviços com influência nos respectivos preços "decorre da mudança na distribuição de renda e em seu nível real nos últimos anos". Também o câmbio, diz Lima Gonçalves, é "sujo" no mundo todo. "Ele surgiu como solução pragmática para o colapso de Breton Woods e vale até hoje. Todo mundo usa, do Japão à Suiça, principalmente em situações de fortes deslocamentos de liquidez em mercados abertos".

Arnosti, do BB DTVM, também está no grupo de economistas para quem é válido afirmar que o tripé permanece de pé, porém "sob uma condução algo menos "rigorosa" ou "conservadora"". A coerência do regime, diz ele, é mantida, mas sua condução ocorre "no limite de suas possibilidades".

Entre as contradições que surgem nessa condução, Arnosti ressalta a flutuação da taxa de câmbio, mais "suja" que no passado. E administrar essa flutuação traz riscos, diz ele, como o de importar inflação externa. Para ele, em uma situação extrema, o governo "limitaria seu "intervencionismo" para preservar o tripé econômico.