Título: Bolsa Família, sozinho, não interrompe transmissão da pobreza entre gerações
Autor: Nassif, Maria
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Brasil, p. A2

Os programas de transferência de renda não são uma originalidade brasileira, mas o Bolsa Família brasileiro é um dos mais focalizados do mundo e pode ser considerado um sucesso. Do lado da focalização da população em extrema pobreza, sua eficiência chega a ser "assustadora", segundo Eduardo Rios-Neto, da Cedeplar, que recentemente coordenou a pesquisa Avaliação de Impacto do Bolsa Família (AIBF). Parte da pesquisa foi apresentada na sexta-feira em um evento conjunto do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) e do Núcleo de Estudos da População (NEPO), ambos da Unicamp.

Quando se suprime da renda das famílias mais pobres o benefício do Bolsa Família, a desigualdade de renda aumenta 3,56%. Quando se retiram as demais transferências (Benefício de Prestação Continuada e Previdência Rural, por exemplo), a população abaixo da linha da pobreza eleva-se significativamente. Todavia, os efeitos desses programas, sem correspondência em outras ações de política pública, são limitados e não rompem o fator intergeracional da pobreza - aquela miséria hereditária, que passa de pai para filho sem que um membro da família consiga romper o círculo da fome ou da ignorância.

O maior indicador disso, segundo os especialistas que debateram o problema, são os indicadores de educação. Se a pesquisa feita em 15.240 domicílios acusou grande impacto positivo na freqüência escolar das crianças, ela não detectou o mesmo grau de sucesso na progressão escolar, que é praticamente negativa. Isso quer dizer que as crianças muito pobres em idade escolar vão para a escola, o nível de evasão é menor - até por conta das condicionalidades do programa -, mas certamente serão elas as que terão menores notas nas avaliações do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb), do Ministério da Educação.

O Bolsa Família, portanto, dá conta da pobreza extrema, mas não resolve a qualidade educacional. "Muita gente avalia o Bolsa Família como uma política educacional e ela não é. Não se pode fazer uma coisa ou outra: transferência de renda e qualidade na educação têm que vir juntas", afirmou Rios-Neto.

O Bolsa Família, portanto, apenas tem o efeito de adiar a evasão escolar. E, no caso da educação, vários fatores entram: em primeiro lugar, um prático: oferta de escola de qualidade na vizinhança. Outro fator, anterior a esse, é o efeito da miséria sobre a capacidade intelectual da criança até o momento em que ela se habilita a uma Bolsa Família e, pelas condicionalidades, têm que ir para a escola. "Estou cada vez mais convencido de que se não pegar essa criança desde o seu nascimento e não desenvolver seu aparato cognitivo e nutricional, nenhum programa vai ter o impacto de quebrar a miséria intergeracional", afirmou Rios-Neto.

A outra discussão em pauta entre os cientistas sociais e demógrafos presentes ao encontro é o custo-benefício do Bolsa Família, de um lado, e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria rural. Se eliminadas as transferências de renda (Bolsa Família e Bolsa Escola), a pobreza máxima passa a se concentrar nas idades de zero a quarenta anos; sem as pensões não-contributivas e os BPCs, ela se eleva nas renda familiar daqueles com mais de 60 anos.

O coordenador do Nepp, Pedro Luiz Barros Silva, defendeu que não se pode contrapor um benefício a outro, já que focam faixas de renda diferentes e igualmente vulneráveis, mas levantou a hipótese de uma pequena redução no BPC e na aposentadoria rural em favor do aumento do Bolsa Família e no Bolsa Escola, como um mais eficiente "colchão amortecedor" de iniquidades. Para ele, é uma ilusão achar que em uma geração será possível resolver o problema do trabalho informal no país, quando, no momento, 60% da População Econômica Ativa (PEA) está fora dela - e, de qualquer forma, as transferências acabam criando certo dinamismo econômico local. E também seria errôneo imaginar que apenas o crescimento econômico vai reduzir por si a pobreza - na verdade, tudo isso depende de ações integradas, e hoje o Ministério do Desenvolvimento Social está marginalizado, não há integração com o Ministério da Educação e muito menos com os ministérios da Previdência e o da Fazenda.

O ex-ministro e secretário mineiro Paulo Paiva, que mediou os trabalhos, concordou que o programa de transferência é correto e bem focado e que seu êxito é um trabalho de uma geração. Além de defender a integração de políticas públicas - contra a pobreza, educacional e de saúde -, o secretário criticou a "superposição de programas" que, integrados a esses esforços, poderia reduzir as restrições fiscais à ampliação das políticas públicas - como o PIS-Cofins e o FGTS. Defendeu também a desvinculação constitucional, porque elas não dão flexibilidade orçamentária e geram ineficiências.