Título: Parque nacional já nasce sob pressão da indústria
Autor: Adeodato, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2012, Especial, p. F2
De Mossoró, no Rio Grande do Norte, são 40 km pela BR 304 que liga Natal a Fortaleza e mais um tanto na Estrada do Melão, cruzando a vegetação retorcida da caatinga, entremeada pelo verde dos cultivos irrigados de frutas. Após atravessar porteiras de colonos recentemente assentados na região, o acesso de barro chega ao ponto final: um terreno plano forrado de rocha calcária e plantas espinhosas, com um enorme buraco à frente. É a entrada da caverna Furna Feia com seus 766 metros de extensão, principal atração do mais novo parque nacional brasileiro, criado pela presidente Dilma em junho, dentro do pacote de medidas anunciado às vésperas da Rio+20.
Nenhuma área do gênero havia sido criada nos últimos três anos. Com 8,4 mil hectares e 213 cavernas em seu interior e na zona de amortecimento, o Parque Nacional Furna Feia - ainda sem nenhuma infraestrutura - está previsto para ser simbolicamente inaugurado nesta semana com a presença de políticos, ambientalistas e empresários, durante o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, organizado pela Fundação O Boticário, em Natal. O evento começa hoje e vai até quinta-feira.
A nova área protegida já nasce sob a pressão de atividades econômicas que se expandem na região, principalmente a mineração de calcário, insumo que abastece indústrias de diferentes setores, como a de cimento. "Foi necessário abrir mão de 700 hectares para evitar conflitos com requerimentos de lavra já protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral", informa Diego Medeiros Bento, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), órgão federal que elaborou estudos para a criação da unidade de conservação.
"Há dez anos, apenas três cavernas eram conhecidas na região, e quando as demais começaram a ser descobertas, surgiu a proposta de protegê-las e usá-las como instrumento para gerar renda por meio do turismo", diz Bento. Ele enfatiza que a questão econômica emperrou o processo que já estava praticamente concluído no ano passado e que "o parque foi finalmente criado graças à Rio+20".
Quase metade da área engloba a reserva legal de um assentamento criado na antiga fazenda da empresa Maísa, grupo agroindustrial pioneiro na fruticultura irrigada na região, que faliu em 2003. "De uma hora para outra mais de mil famílias receberam lotes, sem assistência ou estrutura mínima de produção, com riscos de atividades predatórias", diz Bento.
Os colonos assentados apoiaram a iniciativa de proteger a área, convencidos sobre a possível valorização das terras, a chegada de infraestrutura e o melhor abastecimento de água, além das oportunidades de ganho. "Há muito por fazer para o parque sair do papel, começando pelo plano de manejo, que define seus usos", afirma José Iatagan Mendes, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), órgão responsável pelas unidades de conservação no país. O plano futuro é transformar o Parque Nacional Furna Feia no ponto de partida para um roteiro turístico de cavernas, incluindo o Lajedo da Soledade, no município vizinho de Apodi, ameaçado por fornos de cal abastecidos por rochas que escondem acervos arqueológicos.