Título: Migração do consignado só vai valer para trabalhador da ativa
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Brasil, p. A8

A portabilidade do crédito consignado, conforme minuta de decreto em discussão no Ministério da Fazenda, vai segregar os contratos de aposentados e pensionistas. Segundo explicou o secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, essa foi a solução encontrada para regulamentar o assunto, já que os aposentados são beneficiados por juros limitados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Assim, os trabalhadores da ativa que têm financiamentos vinculados ao pagamento de salário poderão buscar condições melhores de prazos e juros em outro banco.

Já a portabilidade do crédito imobiliário é um processo mais complexo e não tem prazo para ser regulamentada. "Vamos anunciar a portabilidade do crédito consignado, mas ela não vai valer para os aposentados e pensionistas do INSS. No imobiliário, ainda vamos demorar um pouco para dar esse passo", adiantou Almeida, em entrevista ao Valor.

Essa é uma das medidas da agenda de reformas microeconômicas do governo, que deve tomar impulso após a divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Almeida cita outras iniciativas que devem ser tomadas ainda neste ano: a edição de uma medida provisória para a criação do cadastro positivo; um "pente fino" na legislação infra-legal que inibe os negócios no mercado de capitais; uma segunda geração de reformas na área habitacional; medidas de estímulo à agricultura, para proteção da produtividade e do preço; e avançar nas medidas distributivas, saindo da fase do Bolsa Família para a etapa de viabilizar moradia e saneamento aos cidadãos de baixa renda.

Um outro tema espinhoso começará a ser estudado: os custos cartoriais que oneram as negociações imobiliárias e outros "custos ocultos". "O grau de dificuldade das reformas microeconômicas começa a crescer porque vamos para as bolas divididas. São lobbies, cartórios e temas altamente polêmicos", diz Almeida. "No custo cartorial, todo mundo belisca."

Os efeitos das reformas microeconômicas não são desprezíveis. Almeida mostra um levantamento que indica a repercussão da lei de falências sobre os pedidos de concordata, que caíram, de 19.237 em 2003 para 4.192 em 2006. O mesmo pode ser dito do patrimônio de afetação. O número de empreendimentos imobiliários que tiveram aprovado o regime tributário especial para patrimônio de afetação saltou de 38 em 2005 para 90 em 2006. E é uma forma importante para reduzir os custos do capital e da produção.

Segundo ele, a adoção do cadastro positivo será crucial para a nova fase de expansão do crédito na economia, que deverá envolver clientes de maior risco. Na sua avaliação, a fase mais fácil de expansão do crédito para a clientela de menor risco já passou. O próximo passo para o comércio ter acesso a uma avaliação mais profunda do crédito é o cadastro positivo. "Por mais que tenha andado no Congresso, não estamos contentes. Queremos mandar uma medida provisória", diz. Ela deverá contemplar algumas alterações aprovadas na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara.

A proposta de criação do cadastro positivo tramita no Congresso desde 2005 e hoje está na Comissão de Constituição e Justiça. "Algumas mudanças foram negociadas com os parlamentares. Mas discordamos de outras, diz o secretário-adjunto, Otávio Damaso. Os órgãos de defesa do consumidor exigem cautela para que a abertura de informações não se volte contra o consumidor.

Segundo Damaso, no caso da portabilidade do crédito consignado, as dificuldades que tiveram de ser superadas vão além das regras do INSS. "O problema é como tratar a informação que vem de um banco e vai para outro concorrente. O banco que está conquistando um cliente precisa saber qual é o saldo devedor e as características desse crédito. Mas o banco que está perdendo o cliente pode não querer informar." E há um terceiro personagem: a empresa que paga o devedor. Ainda está em avaliação essa questão do trânsito de informações e como a autorização que a empresa deu a um banco passa a outro banco.

Essas duas medidas podem, no médio prazo, trazer efeitos benéficos para a redução do "spread" bancário. Outras providências deveriam ser tomadas nessa direção, concorda Almeida, citando a carga tributária incidente nas transações financeiras e o elevadíssimo recolhimento compulsório do sistema bancário para o Banco Central. Nesses casos, porém, não há muito a fazer de imediato. "Não temos condição de fazer agora, mas sabemos muito bem que é um custo relevante", admite o secretário.

Se as normas da portabilidade para o crédito consignado já estão quase prontas, a situação é bem diferente no caso dos financiamentos habitacionais. Almeida reconhece a complexidade é grande e não há prazo para definir o assunto. Damaso lembra que é preciso tratar com cuidado as conseqüências para as garantias dos bancos e também os impactos para cartórios de registro de imóveis e para a arrecadação do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI). "Até desanima começar essa agenda. Teríamos que dobrar o tamanho da equipe", queixa-se Almeida.

O setor imobiliário, segundo Damaso, vai entrar na fase dos aperfeiçoamentos mais "marginais", que são novas formas de combater o déficit habitacional. As novas regras do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) estão praticamente prontas. Uma parceria entre os ministérios da Fazenda e das Cidades está sendo iniciada para abordar a questão da habitação social.

"É uma questão muito forte no governo a da infra-estrutura social ou investimento social. É um passo adiante dos projetos de complementação de renda. Tivemos quatro anos de valorização do salário mínimo, Bolsa Família, tudo na direção da redução da pobreza, mas queremos entrar numa fase qualitativamente diferente que tenha o mesmo objetivo: dar casa e saneamento para o cidadão", explica Almeida.

Para dar um salto na oferta de serviços de saneamento, o governo já tomou algumas medidas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ampliou a capacidade de financiamento da Caixa Econômica Federal e aumentou o limite de endividamento de Estados e municípios. O programa também desonerou as novas edificações, o que é importante para as obras de infra-estrutura e saneamento. "Igualamos o estímulo das edificações aos dos bens de capital. Dois anos é um prazo que dá para entrar no cálculo econômico", explicou o secretário.

Ele disse ainda que o ministro Guido Mantega gostou da idéia e está avaliando o pedido, feito pelos governadores, de desoneração das contribuições do PIS e da Cofins das empresas públicas de saneamento, desde que os recursos sejam vinculados a novos investimentos. "O problema é que raspamos o fundo do tacho para fazer essas desonerações. Não temos mais dinheiro para fazer nada", justificou Almeida.

No dia 6 de março o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá uma reunião com a equipe econômica para recomeçar o debate sobre reforma tributária. "Não sei o que vamos oferecer, mas não temos muito." A reforma tem efeitos microeconômicos importantes, mas não será feito no curto prazo. Segundo Almeida, "vamos fazer a reforma tributária no longo prazo. Vamos trocar as perdas inevitáveis de uma reforma tributária por um processo mais longo na sua execução. Uma reforma completa e complexa como a nossa, com minimização de custos, é algo para dez anos", concluiu.