Título: Comportamento da inflação volta a inspirar cuidados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2012, Opinião, p. A12

Existem motivos reais de preocupação com a inflação no Brasil? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garante, taxativamente, que não. Os especialistas em preços alertam para o comportamento dos alimentos - de novo - e preveem que o país não conseguirá fechar o ano dentro da meta.

Em périplo pela Europa na semana passada, Mantega disse e repetiu que não vê o processo inflacionário no Brasil com preocupação tanto em 2012 quanto em 2013. Mantega explicou que, diante de medidas tomadas pelo governo, como a redução do preço da energia elétrica e o corte da alíquota do IPI para bens duráveis, a expectativa é que a inflação se mantenha comportada. "A tendência é que a inflação seja mais benigna e não se eleve. Não será preocupante no próximo ano."

Essa avaliação de mais longo prazo poderá ser confirmada se, de fato, as decisões governamentais recentes cortarem o chamado custo Brasil, em especial no que se refere ao preço da energia e ao peso de impostos e tributos, e não surgirem novas pressões da parte dos alimentos. A curto prazo, porém, o cenário parece menos favorável do que o desenhado por Mantega.

Impressões colhidas pela jornalista Claudia Safatle e publicadas em sua coluna no Valor de sexta-feira indicam que o governo brasileiro admite que a inflação, este ano, poderá ficar próxima dos 5,30% que o mercado prevê - por causa do choque das commodities -, mas conta com um Índice Nacional de Preços ao Consumidor, o IPCA (o termômetro oficial da variação dos preços no Brasil) abaixo de 5% para o ano que vem. A variação do IPCA-15 (que antecipa a tendência do IPCA) de 0,48% em setembro veio acima do que esperava o governo. O entendimento, porém, é que o maior peso do aumento dos preços internacionais das commodities agrícolas concentrou-se no índice deste mês. Em outubro ele deve vir menor.

No balanço de riscos da inflação, a nova rodada de expansão monetária patrocinada pelo banco central americano (o Fed) pode ser fonte de pressão nos próximos meses, mas uma desaceleração mais acentuada da China poderia neutralizar ao menos parcialmente essas forças. Chama a atenção de Brasília a queda dos preços do minério de ferro, que afeta de forma muito negativa os resultados da balança comercial, mas ajudará os preços no mercado interno.

Para o próximo ano, devem ter efeito positivo outros aliados no combate à inflação além da já anunciada redução das tarifas de energia. O governo pretende promover uma desindexação das tarifas de energia elétrica. Até o fim do ano, será definida uma forma de reduzir o peso do IPCA e do IGP-M nos contratos do setor. A principal mudança dirá respeito aos contratos das empresas geradoras com as distribuidoras, que desde 2004 são regidos pelo IPCA. A partir da virada do ano, quando vence um grande lote de contratos de comercialização da energia, a correção automática pelo IPCA deve ser substituída por uma cesta de índices. O governo quer reduzir a influência do IGP-M e do IPCA na determinação dos preços da energia para enfraquecer o ciclo da inércia inflacionária, que leva a inflação de amanhã a reproduzir a inflação de ontem.

Essa expectativa mais otimista pode valer, lembram os especialistas, para o próximo ano. Nos próximos meses, o panorama é diferente. Para o mercado financeiro, o novo sinal de alerta sobre a inflação veio do detalhamento do IPCA-15, divulgado na semana passada pelo IBGE. Uma das razões de preocupação é o impacto atrasado do aumento das cotações dos grãos (especialmente do milho, por causa da seca nos EUA) sobre os preços das carnes. A expectativa é que persistam essas pressões nos próximos meses. A tendência para grande parte dos alimentos in natura é de recuo, mas a forte alta esperada para as carnes deve anular esse efeito.

Além de alimentos, os especialistas observam que há pressão inflacionária em outros segmentos. Calcula-se que o índice de difusão da inflação - ou seja, o percentual de produtos com preços maiores - passou de 65,9% em agosto para 68,7% em setembro. E um setor em que se percebe nitidamente essa tendência é o de serviços - esse grupo apresentou uma variação em 12 meses de 7,74% em setembro. A inflação acumulada em 12 meses pelo IPCA-15 recuou de 5,37% para 5,31% de agosto para setembro. O aumento de 1,20% acumulado neste terceiro trimestre, porém, já mostra preços mais pressionados do que no ano passado, quando a variação foi de 0,9%.