Título: Infra-estrutura pressiona por 'agenda perdida'
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, Política, p. A9

Entidades e associações empresariais querem aproveitar o início do novo governo para fazer deslanchar a "agenda perdida" da infra-estrutura, com medidas urgentes que permitam aperfeiçoar o ambiente regulatório e atrair investimentos privados no setor. Habitualmente, o prestígio alcançado nas urnas pelo presidente da República cria uma rápida lua-de-mel entre o Poder Executivo e o Congresso.

O empresariado sabe que, desta vez, algumas feridas serão inevitavelmente deixadas em aberto pelo tiroteio da campanha presidencial. Mas acredita que haverá fôlego político suficiente para avançar em uma lista de projetos de regulação, nos primeiros meses do novo mandato, antes que as rivalidades partidárias ou o aparecimento de escândalos fechem a janela de oportunidade.

A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), por exemplo, consultou suas empresas filiadas e elaborou uma lista com 15 sugestões de medidas para serem implementadas nos 100 primeiros dias de governo. As propostas englobam ações em setores como saneamento, gás natural, meio ambiente e energia elétrica - dez dependem unicamente de atos administrativos do Executivo e outras cinco envolvem articulações com o Congresso Nacional.

Na lista de prioridades da Abdib, algumas medidas são simples e podem sair do papel com agilidade. É o caso da regulamentação de artigos existentes nas leis de Concessões e das PPPs para permitir que empresas privadas façam estudos e projetos de infra-estrutura por conta e risco próprios. O objetivo é gerar um banco de projetos prontos para licitação, via concessão pura ou PPP, deslanchando obras. Sem os estudos, editais não podem ser elaborados nem audiências públicas podem ser realizadas.

"A consolidação do arcabouço regulatório e a melhoria do ambiente de negócios para a infra-estrutura dependem muito da existência de um bom clima para discussões técnicas entre governo e parlamentares", afirma o presidente da Abdib, Paulo Godoy. A entidade sugere um esforço do novo presidente da República, ainda no primeiro trimestre, para articular com a Câmara a votação do projeto de lei que institui um marco regulatório para o saneamento.

O projeto já foi aprovado em comissão mista e no Senado, em primeiro turno. Outra proposta é a construção de um acordo político que resulte no estabelecimento de uma comissão conjunta, no Congresso, capaz de fundir os dois projetos existentes para regular a produção, comercialização, distribuição e venda de gás natural. Um projeto foi apresentado pelo senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA) e tem a preferência do setor privado. Outro chegou à Câmara pelo Ministério de Minas e Energia, com menos pontos de atrito com a Petrobras. A sugestão é, tal como houve no saneamento, juntar os esforços em um único texto, coordenado por uma comissão parlamentar mista e envolvendo discussões com o Executivo.

Godoy também acha necessário avançar na desoneração de fundos de investimento que sejam constituídos para financiar obras de infra-estrutura. Novos fundos começaram a surgir nos últimos meses e a Abdib lutou sem sucesso, no início de 2006, para estender a isenção de Imposto de Renda a estrangeiros que aplicam em títulos públicos.

Para a entidade, a isenção tributária aos fundos estrangeiros para investir em infra-estrutura tem o potencial de atrair R$ 75 bilhões em quatro anos. Godoy sublinha que, com a perspectiva de queda da taxa Selic, os recursos vindos do exterior devem migrar da renda fixa para a renda variável e procurar novas oportunidades. É aí que surge a infra-estrutura como boa alternativa de negócios. Para isso, avanços na regulação são vitais. "Se houver segurança ao investidor, o dinheiro virá em abundância", aposta Saturnino Sérgio da Silva, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e diretor-titular da área de infra-estrutura da entidade.

Segundo ele, há uma tendência mundial de o setor privado assumir esse tipo de investimento, em lugar do Estado, por causa das crescentes preocupações fiscais. Mas a estabilidade de regras é pré-condição para isso, destaca Silva, que aponta dois problemas vistos com apreensão pelos empresários: a falta de independência das agências reguladoras e a pouca clareza da legislação ambiental, tornando os custos de uma obra cada vez mais imprevisíveis. "Não defendo absolutamente que sejamos flexíveis na área ambiental. É preciso mesmo ter grande rigor; só precisamos saber as regras de antemão", diz.

Na questão dos órgãos reguladores, a Fiesp vai apresentar à Câmara um anteprojeto de lei geral das agências, em um contraponto à proposta do governo, que chegou ao Congresso em 2004. Para a Fiesp, o texto em tramitação não garante a autonomia das agências reguladoras em relação ao Executivo. Um exemplo é o contrato de gestão, com metas de desempenho avaliadas pelos ministérios aos quais os órgãos estão vinculados, ponto crucial do projeto enviado pelo governo.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também vai pressionar o governo e o Congresso para agilizar votações importantes para a infra-estrutura. "Precisamos de novos marcos regulatórios", cobra o presidente do Conselho de Infra-Estrutura, José de Freitas Mascarenhas, citando os casos das agências reguladoras, gás natural e saneamento.