Título: Marta pavimenta candidatura no PT à sucessão de Lula
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Política, p. A11

Cotada para comandar um ministério importante, a ex-prefeita Marta Suplicy desponta neste momento como a principal liderança do PT, capaz de fazer planos para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Mesmo sem mandato, ela detém hoje um poder que nenhum outro colega de partido, com exceção do próprio Lula, possui.

Dos 14 deputados federais do PT de São Paulo, seis foram eleitos com a ajuda de Marta. Ela tem representantes na Assembléia Legislativa do Estado e na Câmara de Vereadores da capital paulista. Na disputada eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, atuou de maneira decisiva para unificar o partido em São Paulo e, assim, garantir apoio maciço ao petista Arlindo Chinaglia. Um dos integrantes de sua bancada - o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) - foi o principal articulador da campanha de Chinaglia.

Marta cresceu no vácuo, ocupando espaços que pertenciam a petistas que entraram em desgraça. Iniciou sua trajetória de recuperação justamente após um fracasso - a disputa pela reeleição à prefeitura de São Paulo, em 2004. Naquele momento, ela perdeu força no partido e prestígio em Brasília. Em parte, isso aconteceu porque, ao tentar explicar a derrota, atribuiu responsabilidade à política econômica do presidente Lula. As conseqüências vieram. Em 2006, quando disputou com o senador Aloizio Mercadante a indicação para a candidatura do PT ao governo de São Paulo, não teve o apoio do presidente e acabou sendo preterida pelo partido. Além disso, Lula não a chamou para o ministério nas oportunidades que teve nos últimos dois anos para fazer isso.

Sem mandato, sem ministério e com o prestígio em baixa, Marta voltou-se às bases do partido para recompor sua estratégia. Como nunca foi ligada a nenhuma tendência do partido, a não ser o vasto Campo Majoritário, do qual Lula também faz parte, ela estabeleceu bom trânsito nas várias facções e na máquina do PT. Durante sua gestão em São Paulo, trabalhou com todas as tendências. "Ela tem dificuldade de se ligar a correntes, mas é muito disciplinada do ponto de vista partidário", atesta um de seus fiéis escudeiros na Câmara dos deputados, Jilmar Tatto (PT-SP).

Não sendo candidata em 2006, trabalhou, primeiro, para ajudar a eleger petistas ligados a ela. Dos seis deputados de sua bancada de influência, dois - Vaccarezza e Tatto - foram eleitos para o plano federal pela primeira vez. Os dois eram deputados estaduais, mas, antes, atuaram na burocracia do PT.

O passo seguinte da ex-prefeita foi ajudar o presidente Lula na campanha à reeleição. Frustrado por não ter vencido a disputa no primeiro turno, Lula deu à Marta a missão de coordenar sua campanha no Estado de São Paulo, onde ele perdera a eleição para Geraldo Alckmin por uma diferença de quase quatro milhões de votos. A aposta deu certo. No segundo turno, Lula aumentou sua votação, no Estado, em 2,6 milhões de votos, diminuindo para um milhão a diferença em relação a Alckmin (que ainda perdeu quase 230 mil votos entre os dois turnos). Grande parte da recuperação foi atribuída ao trabalho de Marta Suplicy.

Em seu processo de recuperação política, a ex-prefeita beneficiou-se do fato de as principais lideranças paulistas do PT terem caído após a sucessão de escândalos que abalaram a cúpula do partido e o governo Lula em meados de 2005. O ex-ministro José Dirceu foi cassado e o então presidente do PT José Genoino renunciou ao cargo, ambos acusados de participar do mensalão. Um ano depois, o senador Aloizio Mercadante perdeu força após o envolvimento de um assessor na crise do dossiê montado para prejudicar o PSDB em São Paulo.

"É importante ver que boa parte do sucesso dela se deveu a uma abertura de espaço que aconteceu pelo fato de Mercadante ter sido deglutido pela crise do dossiê. Não fosse isso, ele é que teria provavelmente o lugar de destaque no segundo turno da eleição de Lula e não a Marta", observa o cientista político Cláudio Couto, da PUC de São Paulo, um especialista em PT. "A Marta aproveitou muito os espaços criados. O grupo dela é muito bem estruturado e organizado."

Recuperada politicamente, ainda que esteja por ser testada nas urnas, o próximo passo da ex-prefeita é tornar-se ministra. Em tese, trata-se de um caminho natural. O PT paulista, berço do nascimento do partido há 27 anos, não tem hoje um representante sequer no primeiro escalão de Brasília. Os paulistas do governo integram a cota pessoal do presidente e não têm vida partidária. Foi por essa razão que, logo após a vitória de Chinaglia na Câmara, os paulistas começaram a pressionar Lula para nomear Marta.

O risco, para a ex-prefeita, reside aí. Lula não se considera devedor do PT por causa da eleição de Chinaglia. Acha, pelo contrário, que o partido está bem representado no poder. Além do primeiro mandatário da República, tem o presidente da Câmara, o segundo na linha sucessória da República. Apesar disso, segundo um assessor direto e um ministro muito próximo de Lula, é praticamente certo que ele convidará Marta para o ministério, mas não aceitará que isso seja caracterizado como uma imposição do PT.

A ex-prefeita sabe disso e, por essa razão, sem esconder o desejo de de ser ministra, vem tentando conter o ímpeto de alguns correligionários, como Vaccarezza, que, numa entrevista recente, impôs a nomeação de Marta ao presidente. "Este não é o meu estilo. Tenho uma relação com o presidente Lula muita boa e ele tem uma opinião ao meu respeito. Se achar que posso acrescentar algo ao governo, pode me chamar. Se achar que precisa de outros quadros para conseguir fazer um bom governo, ele o fará. Sou uma pessoa que consegue entender isso porque já ocupei posição de poder", disse a ex-prefeita ao Valor, demonstrando preocupação também com a idéia de que existe o "grupo da Marta". "Tenho várias pessoas que são próximas a mim, mas nenhuma delas está autorizada a falar por mim. Isso me deixa às vezes em situação de grande constrangimento."

Na bolsa de apostas de Brasília, a ex-prefeita esteve cotada para assumir o Ministério das Cidades, mas a especulação acabou provocando uma forte reação do PP, partido da base aliada do governo que hoje comanda o ministério. Em seguida, Marta passou a ser cotada para a Pasta da Educação. A ex-prefeita não aceita falar sobre isso, mas seus seguidores informam que, embora faça sentido ela ir para a Educação, sua preferência, inspirada no apoio arregimentado por Lula junto aos prefeitos na reeleição, seria a pasta das Cidades.

Lula já fez chegar à ex-prefeita que ela só será ministra caso aceite não se candidatar à prefeitura em 2010. Marta, segundo seus amigos, topa. Ela concorda que, para desenvolver um trabalho relevante, precisa de quatro anos. E sabe que o próximo desafio - a disputa da sucessão de Lula - dependerá do êxito como ministra. "Ela tem condições de se tornar presidenciável, mas vai depender muito do desempenho do Lula no segundo mandato. Se o governo conseguir mostrar algum serviço, acho que ela terá um bom impulso. Do contrário, ficará complicado", diz Cláudio Couto, acrescentando que, além disso, Marta precisará mudar a imagem de "arrogante" e "prepotente" que adquiriu junto a uma boa parcela do eleitorado. "Imagem se recompõe. Um exemplo é o Maluf. Um bom trabalho de marketing pode fazer com que a imagem cresça."

Na hipótese de Lula não levá-la para o governo, Marta disputará a prefeitura de São Paulo, um atalho para perseguir sua maior ambição - a Presidência. Em 2001, recém-eleita no maior colégio eleitoral do país, ela vislumbrou, pela primeira vez, a possibilidade. Naquela época, casada ainda com o senador Eduardo Suplicy, dizia que a disputa começaria em casa. O senador, sem força no PT, está fora do páreo, o contrário de Marta, hoje o principal nome do PT de São Paulo, depois de Lula.