Título: BC pede explicações sobre debêntures no balanço de bancos
Autor: Pinheiro , Vinícius
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2012, Finanças, p. C1

O Banco Central decidiu acompanhar mais de perto o crescimento do volume de debêntures no balanço dos bancos. No início do mês, a autoridade monetária enviou correspondência às dez maiores instituições financeiras do país pedindo explicações sobre essas operações. O tema foi discutido na última reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), que aconteceu no dia 13, apurou o Valor.

As debêntures são títulos de dívida de empresas que podem ser adquiridos e negociados por investidores no mercado de capitais. Os bancos, porém, têm usado o instrumento como forma alternativa de concessão de crédito, ao ficar com a totalidade dos papéis emitidos pelas companhias e mantê-los em balanço até o vencimento da dívida.

Os quatro maiores bancos de capital aberto - Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander - registravam um total de R$ 86,6 bilhões de títulos privados em carteira, conforme os balanços mais recentes. Hoje, de cada R$ 100 em empréstimos para empresas, pelo menos R$ 10 são concedidos na forma de debêntures ou títulos similares, como notas promissórias.

Do ponto de vista das companhias que tomam recursos, a principal vantagem é que a emissão de debêntures conta com isenção de imposto sobre operações financeiras (IOF), ao contrário dos financiamentos tradicionais, o que garante taxas de juros mais atrativas.

A expectativa é que o BC apresente suas considerações sobre o assunto no próximo Relatório de Estabilidade Financeira, que deve sair até outubro. Procurada, a autoridade monetária afirma que a consulta não reflete nenhuma preocupação específica e que se trata apenas de trabalhos de rotina. "A atividade de monitoramento do SFN constatou uma elevação de debêntures na carteira de alguns bancos. Ante a constatação, foram solicitadas informações aos bancos para melhor compreender os principais motivos de referida elevação", diz o BC, em nota.

O uso das debêntures como forma de concessão de crédito ganhou corpo a partir de 2009, com a entrada em vigor da Instrução nº 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em linhas gerais, a norma permitiu que sociedades anônimas de capital fechado também levantassem recursos com a emissão de debêntures, prática antes restrita a companhias abertas.

O objetivo original da regra era ampliar as alternativas de financiamento das empresas e estimular o processo de desintermediação financeira. Na prática, porém, os bancos continuam desempenhando o mesmo papel. Apenas neste ano, as captações pela Instrução 476 somam R$ 33,7 bilhões. Desse volume, 64% ficou nas mãos das instituições financeiras, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

No ofício enviado às instituições financeiras, o BC pede esclarecimentos sobre a política de aquisição de debêntures, a evolução do estoque de títulos no balanço, a metodologia de avaliação e a forma como é realizado o provisionamento dessas operações.

Outro ponto que mereceu atenção foi a chamada marcação a mercado dos títulos. Embora costumem manter os títulos até o vencimento no balanço, os bancos têm como prática contábil incluir a maior parte dos títulos privados como disponíveis para negociação. A grosso modo, isso significa que as instituições precisam apurar a variação no valor de mercado dos papéis e contabilizar eventuais lucros ou prejuízos.

A tarefa, no entanto, não é trivial, já que os papéis em geral não são negociados no mercado, ou seja, não há uma referência de preço, como acontece, por exemplo, com uma ação na bolsa. Assim, cada instituição pode usar uma forma diferente de apurar esse valor, o que pode provocar distorções.

Após receberem a correspondência do BC, os bancos trabalharam duro em uma resposta para defender a prática. Eles apontam que as debêntures são um instrumento de dívida mais transparente e de fácil negociação do que, por exemplo, uma cédula de crédito bancário (CCB), único instrumento que as empresas fechadas tinham à disposição antes da norma da CVM.

Segundo o executivo de uma grande instituição, que preferiu não ser identificado, dificilmente uma companhia fechada conseguiria demanda de investidores em uma primeira captação no mercado. "Mesmo que os papéis sejam encarteirados, a empresa ganha visibilidade ao emitir debêntures, o que pode facilitar o acesso a um universo maior de investidores no futuro", diz.

Em paralelo, os bancos trabalham, via Anbima, para ampliar a base de investidores em debêntures. Entre as demandas está a permissão para que fundos de pensão possam comprar debêntures de empresas fechadas.

Embora defenda as debêntures no balanço, uma fonte ouvida pelo Valor reconhece que pode ter ocorrido "abusos" no uso do instrumento. Como exemplo, citou práticas como emissões sem relatório de classificação de risco (rating) e com valores unitários elevados, sinais de que as debêntures foram emitidas apenas para se valer do ganho tributário, sem a intenção de venda a investidores.