Título: Empresas na China lucram mais do que se crê
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Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, Internacional, p. A13

A China pode ser a economia em mais rápido crescimento no mundo, mas será que as empresas lá obtêm lucros saudáveis? Isso é alvo de um animado debate entre economistas, investidores e executivos. Na opinião generalizada, as empresas chinesas empregam capital ineficientemente e têm enormes excessos de capacidade. Por isso, as margens de lucro são estreitas, estão emagrecendo, e o pesado endividamento para financiar investimentos não lucrativos coloca o sistema bancário em risco.

Mas Bert Hofman e Louis Kuijs, economistas do Banco Mundial (Bird) em Pequim, discordam. Em sua análise, baseada em dados enviados ao Birô Nacional de Estatísticas (BNE) da China por mais de 200 mil empresas estatais e privadas, os lucros de empresas industriais cresceram em média 36% ao ano desde 1999. O retorno médio sobre o patrimônio líqüido (antes dos impostos) obtido pelas estatais cresceu de 2%, em 1998, para 13% em 2005; nas empresas privadas, o retorno foi de 7% para 16%. Além disso, a maior parte dos investimentos empresariais é hoje financiado pelo próprio fluxo de caixa das empresas e só um terço por fontes externas, como bancos.

Essa visão foi rejeitada em artigo publicado na "Far Eastern Economic Review" por Weijian Shan, da TPG Newbridge, uma das mais bem-sucedidas operadoras de fundos de investimento em participações na Ásia. Shan, com grande experiência na avaliação de empresas chinesas, diz que o Bird está "enganado": a maioria das empresas obtém lucros pequenos, suas margens estão encolhendo e seu boom de investimentos está sendo financiado em boa parte por empréstimos de bancos estatais.

Quem tem razão? A resposta é importante tanto para as autoridades econômicas como para investidores. Se o retorno sobre o capital é de fato baixo e está em queda, então o atual ritmo de crescimento vai revelar-se insustentável.

Shan diz que é tolice argumentar que lucros elevados estão financiando investimentos, pois as empresas com um todo são grandes tomadoras de empréstimos. O crédito bancário total é maior que o PIB do país, o que é extremamente alto segundo padrões internacionais: nos EUA, a razão é de apenas 44%. Mas a tomada de empréstimos nada diz sobre a vitalidade dos lucros. As firmas podem reter muito de seus lucros (na forma de poupança) e mesmo assim necessitar levantar empréstimos, se investirem mais do que pouparem.

Hong Liang, economista do Goldman Sachs, diz que a alta proporção de crédito em relação ao PIB na China reflete em parte o estado imaturo do mercado acionário no país. Os títulos de captação de recursos pelas empresas totalizam só 4% do PIB, contra mais de 100% nos EUA. A análise de Liang corrobora a do Bird: ela estima que a proporção da dívida sobre o patrimônio líquido nas empresas industriais chinesas caiu de 1,8 para 1,4 ao longo da década passada, tendo as empresas financiado mais investimentos com seus lucros que com empréstimos.

É verdade que o montante bruto de empréstimos às empresas é muito maior do que os empréstimos excluídos os depósitos, nos quais é concentrada a análise do Bird. Empresas lucrativas depositam sua poupança em bancos, que então a emprestam a empresas menos lucrativas. O estoque de endividamento junto aos bancos (e portanto os riscos de inadimplência) podem permanecer elevados.

Shan insiste que o excesso de capacidade, a disparada nos preços das commodities e a estagnação ou queda no preço de produtos acabados estão minando as margens de lucro. Usando os mesmos dados do Bird, ele estima que as margens brutas caíram de 18% das receitas de vendas, em 1999, para 15% no ano passado. Mas as margens brutas levam em conta só os custos diretos de produção; elas excluem os custos de venda, distribuição e as despesas administrativas e financeiras, que subiram, todos, mais lentamente. Após subtrair todos os custos, Hofman e Kuijs estimam que as margens de lucro subiram de menos de 3%, em 1999, para quase 6% em 2005.

Mas Shan tem outro bom argumento: como pode a margem de lucro crescer, se os salários e os preços das matérias-primas vêm crescendo tão rapidamente? A partir de 1998, os salários cresceram não menos que 14% ao ano, ao passo que os preços das exportações caíram. A explicação é que a produtividade aumentou ainda mais que os salários, tendo crescido 20% ao ano no setor industrial, reduzindo os custos unitários de mão-de-obra. Em conseqüência, a fração da renda nacional apropriada pelos trabalhadores caiu, ao passo que a das empresas cresceu. As margens de lucro diminuíram um pouco em 2005, quando os preços das commodities dispararam, mas neste ano voltaram a crescer.

A melhora na lucratividade média não deveria surpreender, pois reflete em parte os ganhos de produtividade na economia como um todo. Na China, o crescimento da produtividade total (a eficiência mediante a qual são empregados capital e trabalho) foi um das mais fortes no mundo nos últimos dez anos, graças à expansão do setor privado e a uma substancial reestruturação das estatais.

São confiáveis os dados de lucratividade? Os números do NBS excluem impostos e incluem subsídios. Isso não deve afetar a tendência do lucro ao longo tempo. Além disso, os subsídios estatais às empresas são hoje desprezíveis.

Uma vez que os lucro e os gastos de capital dispararam de mãos dadas, o que aconteceu com o retorno sobre o capital? Liang estima que o retorno sobre o capital cresceu continuamente desde o fim da década de 90, diversamente do que ocorreu no boom de investimentos no início dos anos 90, quando despencou. Para os céticos em relação aos dados do NBS, ela também analisa os lucros das empresas chinesas negociadas em bolsas no exterior, cujos demonstrativos financeiros são auditados segundo normas contábeis internacionais. O retorno médio sobre o patrimônio líqüido na China é similar ao verificado nos EUA e na Europa (ver gráfico). Um estudo da OCDE no ano passado também detectou grandes aumentos no retorno sobre o capital nas empresas chinesas. Em 2003, a taxa de retorno média para as empresas industriais do setor privado foi superior à média nos países desenvolvidos.

Apesar de a lucratividade total estar em alta acelerada, a China ainda tem muitas empresas ineficientes. Um quinto das indústriais (e um terço das estatais) continuam no vermelho. Investidores experientes sabem que, mesmo quando identificam uma empresa lucrativa, com freqüência ela não proporciona a investidores estrangeiros um retorno razoável. Essa é uma boa razão para que os investidores tenham cuidado. Mas, para a economia como um todo, a crescente lucratividade chinesa indica mais anos de vigoroso crescimento. (Tradução de Sergio Blum)