Título: OCDE quer iniciar negociação para a adesão brasileira
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Brasil, p. A9

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), espécie de clube dos países ricos, prepara-se para deflagrar seu processo de admissão de novos membros e o Brasil está no topo da lista. O secretário-geral da entidade, Angel Gurria, disse ao Valor que a decisão deverá ser aprovada em maio, no conselho anual de ministros, por recomendação dele e após anos de hesitações entre os membros atuais.

Há um bom número de países candidatos, mas Gurria afirmou que a prioridade é atrair o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), composto pelas principais economias emergentes, e foi enfático sobre a adesão brasileira. "As portas da OCDE estão abertas para começar a negociar a adesão formal do Brasil", disse. "O caso do Brasil se recomenda por si só, não apenas porque é grande, como também por sua contribuição para a economia mundial."

Segundo fontes diplomáticas, Gurria fez uma votação interna entre os 30 membros atuais sobre os países que gostariam de aceitar como sócios. O Brasil teria sido o mais votado, seguido da Rússia e da China. "De todos, o Brasil é o que está mais próximo do padrão da OCDE", diz um analista em Paris, comparando o país com a intervenção estatal nas economias russa e chinesa.

O Brasil até agora ficou em cima do muro. O governo não estimulou um debate sobre benefícios e custos de uma eventual entrada na entidade. Visto de Paris, o constrangimento maior parece ser mesmo a vontade de o governo Luiz Inácio Lula da Silva de se perfilar como líder de nações em desenvolvimento. Gurria acha, porém, que o Brasil, líder do G-20, pode ser um porta-voz de nações em desenvolvimento dentro da entidade e influenciar diretamente nas decisões. Do lado dos custos, há também riscos mais concretos. O país pode perder o status de "país em desenvolvimento" e ser excluído dos benefícios de Sistema Geral de Preferência (SGP) dos nações industrializadas, pelas quais parte das exportações brasileiras entram pagando tarifas menores.

Além disso, a adesão significa assumir compromissos substanciais de liberalização, adotando cerca de 200 instrumentos (regulamentos, códigos etc) para relaxar restrições a fornecedores estrangeiros de serviços, abrir movimento de capital etc. Mas tudo isso é negociado. O país pode adotar só parte de algumas medidas e pedir amplo prazo para implementá-las. México e Coréia do Sul até hoje não adotaram uma série de regulamentações da entidade. "Tudo depende da vontade do país de entrar ou não", afirmou Gurria.

Do lado dos benefícios, está a queda maior do risco-país. Estar ancorado na OCDE indica contar com uma economia mais estável e a comunidade financeira reconhece isso, estimam fontes da entidade. Aderindo ou não, o Brasil e os outros emergentes vão estar sob crescente pressão da OCDE, principalmente para darem mais proteção às patentes e para reduzirem gases de efeito estufa.

Relatório confidencial da entidade, revelado pelo Valor no ano passado, insistia que o rápido crescimento nos emergentes era baseado em uso intensivo em energia e matérias-primas, com menos eficiência que nos países ricos. Previa, assim, a continuação da pressão nos preços do petróleo e de outras fontes de energia, bem como nos preços de commodities, o que alimentava a inflação nos países ricos.

No caso das patentes, a entidade mostra atitude particularmente negativa em relação aos emergentes, embora o Brasil seja considerado o menos problemático dos quatro grandes. Patentes e mudanças climáticas são os dois principais temas que o G-8, diretório econômico do planeta, quer discutir com os emergentes em junho, e o "diálogo" deverá ter continuidade na OCDE.

"A OCDE busca diversidade e influência", diz um especialista em Paris, alertando para o risco de irrelevância da entidade se o número de sócios não aumentar. No passado, seus membros representavam 80% da produção global. Essa cifra caiu para 60% e pode ficar ainda menor sem as principais economias emergentes.

Já os países do Bric viram sua parte na produção mundial aumentar de 18%, em 1990, para 27% em 2005 (pela paridade de poder de compra). Relatório da OCDE apontava "falta de transparência na governança e a corrupção disseminada" nos Brics, que inibiriam investimentos e comércio com companhias dos 30 países membros da entidade. Para estabelecer regras do jogo comuns, em meio de acirrada concorrência, a OCDE corre para ter o Brasil, Rússia, Índia e China sob sua influência.

Ex-ministro de Finanças do México, Angel Gurria assumiu em meados do ano passado a direção da OCDE e tratou de quebrar o impasse sobre novos membros. Guria tem claramente dois temas prioritários: primeiro, o problema da água e o impacto de crescente desertificação; segundo, a adesão do Brasil, Rússia, Índia e China.

O processo de adesão é longo. Enquanto isso, a organização continua puxando o Brasil para se envolver em mais comitês técnicos. O país acabou de ser convidado para participar "ad hoc" do Comitê de Crédito à Exportação. É onde os industrializados discutem taxas de juros para exportação garantida pelos governos. O rating brasileiro depende até agora da avaliação dos membros atuais da OCDE. Como observador no comitê, o país dá um primeiro passo nessa discussão. Mas só mesmo como titular é que poderá defender diretamente sua causa e tentar influenciar para baixar as taxas para seus exportadores.