Título: Eleitor preso reproduz votação dos Estados
Autor: Agostine, Cristiane e Rahal, Manuela
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, Política, p. A11

No dia 01 de outubro, Lédia escolheu o candidato Geraldo Alckmin para a Presidência. Toda sua família apertou o número 45, do PSDB, nas urnas também. O motivo: ela é contra a reeleição. Lourdes, colega de Lédia, gostou da primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e decidiu dar mais um mandato a ele, por ser um candidato "que não tem preconceito". As duas mulheres votaram nas urnas trazidas para dentro da Penitenciária Estadual Feminina do Espírito Santo, onde esperam o julgamento de seus crimes. Além do Espírito Santo, outros sete Estados permitiram o voto aos detentos nesta eleição. O resultado atrás das grades pouco surpreende: segue a proporção dos votos obtidos nos Estados.

O acesso aos jornais e à televisão não é um problema para as detentas escolherem um candidato. Há um ano e oito meses aguardando o julgamento pelo homicídio de seu marido, Lédia acompanhou atenta o noticiário. Moradora da cidade de Brejetuba, a capixaba de 37 anos ficou animada com a oportunidade de poder votar. "Foi muito bom. É um direito", destaca. "Ainda não sei em quem votar no segundo turno, mas eu sou contra a reeleição. Um mandato é suficiente".

Dentro da penitenciária do Espírito Santo, o comentário que Lourdes mais ouviu foi que Alckmin acabaria com os direitos dos detentos. "Ele acha que preso não tem que ter oportunidade, que tem que prender e esquecer da gente lá", relata a jovem de 22 anos. "O Lula nunca discriminou a gente, ele não tem preconceito". Detida há um ano e três meses por assalto -"fui obrigada a participar porque era amiga da vítima" - e à espera de sua pena, Lourdes diz que assistiu ao horário político, mas os programas não foram suficientes para definir seu voto para deputados federal e estadual.

Além da penitenciária feminina, o TRE do Espírito Santo instalou urnas em outros quatro presídios. As 167 pessoas que votaram deram a Lula 65% dos votos válidos e a Alckmin, 25%. Estavam aptos ao voto 324 detentos. A preferência do petista seguiu o resultado estadual: 52,97% a 37,15%.

As urnas foram distribuídas nas regiões Norte (Amazonas, Amapá e Acre), Nordeste (Ceará, Pernambuco e Sergipe), Sudeste (Espírito Santo) e Sul (Rio Grande do Sul). O voto dos detentos em situação provisória também estava previsto no Piauí, mas segundo a assessoria de imprensa do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), não houve quórum suficiente para instalação de urnas na penitenciária.

A parcela de detentos com direito a participar do processo eleitoral ainda é reduzida: de uma população carcerária estimada em 350 mil, 100 mil são presos provisórios, sem condenação. São esses que podem votar. Deste colégio eleitoral, apenas 1.951 tiveram acesso ao voto este ano. Para esta eleição, a resolução número 22.154 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , de março de 2006, faculta em seu artigo 17 o voto e a organização do processo eleitoral dentro das penitenciárias. A decisão de instalar urnas nas penitenciárias fica a cargo de cada TRE.

Desde 2000, os presos provisórios do Ceará têm acesso ao voto. Em Pernambuco, as urnas funcionam dentro das penitenciárias desde 2002. "Essa é uma forma de reinserção do preso na sociedade", observa o diretor geral do TRE-PE, João André Pegado. Nas seis penitenciárias de Pernambuco, 551 pessoas estavam aptas ao voto. As urnas das celas também seguiram a votação pernambucana, que deu vitória ao presidente Lula. No Estado foram 70,9% dos votos a Lula e 22,86% a Alckmin. Atrás das grades, o petista teve 84% e o tucano, 11% dos votos válidos.

O cadastramento dos detentos precisa ser feito em maio e é necessário que se faça a transferência do domicílio para a zona da eleitoral correspondente à da penitenciária. Esse é um dos principais obstáculos para os TREs: a justiça eleitoral tem de enviar servidores para fazer o levantamento dentro do presídio. "A questão da logística nem é a mais complicada. O problema mesmo é de segurança", avalia Pegado. "Nos Estados onde existe um histórico maior de rebeliões fica mais difícil instalar as urnas", aponta o diretor geral do TRE-PE.

Em São Paulo, Estado marcado por três grandes ondas de ataques do crime organizado neste ano, não existe nenhuma previsão de acesso ao voto para os detentos. "Já houve estudos, mas existe uma dificuldade logística. A mobilização será muito grande e o resultado não sabemos qual poderá ser", afirma a chefe de comunicação do TRE-SP, Eliana Passarelli.

Na maior penitenciária do país em funcionamento, a Central, no Rio Grande do Sul, o TRE foi para trás das grades e credenciou 765 eleitores presos. Apenas 383 votaram e traçaram um cenário inverso ao que foi encontrado no Estado. Somando-se ao resultado da penitenciária feminina gaúcha, Lula obteve 59,6% e Alckmin 22% dos votos válidos. Já no Estado, o candidato do PSDB ficou com 55,76% e o do PT, 33,07%.

Entidades ligadas aos Direitos Humanos se mobilizaram em todo o país em torno da campanha "Voto do Preso". O coordenador do movimento, Rodrigo Puggina, avalia o acesso ao voto como uma questão política. "Falta vontade política e do judiciário em se mobilizar. A interpretação que se faz do voto do condenado é equivocada. Os presos ficam em caráter provisório por muitos anos e há uma quantidade muito grande de pessoas excluídas, num contingente semelhante à população de Estados como o Acre ou o Amapá", diz.

Advogado integrante do Instituto de Acesso à Justiça, Puggina defende o voto de acordo com a gradação da pena. "Mesmo aqueles que foram condenados a penas alternativas, como distribuir cestas básicas para a comunidade, têm os direitos políticos suspensos. É uma situação pior do que na ditadura".

Os presos provisórios são incentivados a fazer a transferência do título do eleitor, mas muitos rejeitam a idéia. Também é grande o número dos que decidem não votar mesmo depois do cadastramento. No Amazonas, por exemplo, dos 146 detentos aptos ao voto, apenas 40 eleitores compareceram às urnas das duas penitenciárias. Os presidiários deram ao presidente Lula 76,3% dos votos válidos e a Geraldo Alckmin 15,7%.

A única vitória do candidato do PSDB nas penitenciárias foi no Acre - assim como o resultado do no Estado. Alckmin teve com 50,9% e Lula, 32,7%. No Estado foi 51,7% do tucano a 42,6% do PT.

Os TREs que permitiram o voto aos presos planejam aumentar as urnas para os próximos anos. No segundo turno desta eleição, os presos votarão novamente. (CA)