Título: Opção por Mantega vista com "pé atrás"
Autor: Pires, Luciano; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 19/11/2010, Política, p. 4

Decisão de Dilma pela manutenção do ministro da Fazenda atende a pedido de Lula, dá indícios de que a presidente terá interferência direta na política econômica e deixa o mercado de "sobreaviso"

Apesar de ter opções, a presidente eleita, Dilma Rousseff, preferiu manter no cargo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A presença dele na futura equipe econômica foi um pedido pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atendido sem restrições ou ressalvas pela sucessora. A confirmação de que o ministro permanecerá no cargo, no entanto, não é bem vista no mercado. O perfil ¿perdulário¿ e a incapacidade de manter sob rédeas curtas a política fiscal alimentam críticas contundentes dos analistas, que enxergam sinais negativos na continuidade.

Ao decidir não promover o esperado rodízio em um dos principais órgãos da Esplanada, o mundo financeiro acredita que Dilma enfrentará dificuldades para superar obstáculos econômicos já colocados em 2010 e que podem ameaçar o crescimento do país daqui para frente. A situação das contas externas, por exemplo, preocupa: o rombo deverá chegar a US$ 100 bilhões no próximo ano, aumentando ainda mais a dependência de capital estrangeiro de curto prazo. A supervalorização do real, a perspectiva de alta da inflação e dos juros básicos (Selic) também são pedras no caminho. Mas está no gerenciamento das contas públicas a maior parte das queixas do mercado na recondução de Mantega.

O aumento exponencial do gasto público como forma de blindar o país durante a crise econômica de 2008 criou passivos gigantescos para o novo governo. Os incentivos fiscais concedidos a alguns setores produtivos e os reajustes e as contratações no funcionalismo forçaram a União a executar manobras contábeis de toda natureza para tentar cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública), estipulada em 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 e 2011.

A desconfiança em relação a um maior controle das despesas correntes só aumenta com Mantega à frente da Fazenda. ¿Se ele for bem orientado, até podemos ter alguma surpresa positiva, mas a impressão é de que ele (Mantega) não tem convicção da importância de se realizar um ajuste fiscal sério. E hoje, o ponto mais fraco de nossa economia é fiscal. O tal tripé da política econômica (câmbio flutuante, superavit primário e o sistema de metas de inflação) está manco¿, afirma um economista com bom trânsito no governo. ¿A percepção geral é a de que o Mantega promete e não entrega. Além disso, ele não tem pulso para conter a pressão por gastos e é imprudente ao dar declarações¿, completa outro especialista.

Sombra Uma das alternativas a Mantega era Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O atual ministro acabou levando vantagem sobre o colega por ser mais ¿obediente¿ às determinações de Dilma, que é quem, na prática, assumirá o controle da política econômica. Como compensação, Coutinho continuará no banco de fomento e terá como missão impulsionar pelo menos dois projetos de vulto: o trem bala e a usina hidrelétrica de Belo Monte. Outro nome da equipe econômica em aberto é o do futuro presidente do Banco Central. O atual presidente, Henrique Meirelles, é visto como ¿sombra¿ a Dilma, que não quer um BC tão independente como na era Lula. Para o lugar de Meirelles, o mais cotado na bolsa de apostas é o diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro, Alexandre Antônio Tombini.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que a manutenção de Mantega era esperada. ¿Ele tem um pensamento próximo da Dilma. Sempre ficou clara a predileção dela pelas políticas do Mantega e menos pelas de Meirelles. Um presidente do BC tão livre como tivemos com Lula me parece algo do passado, nesse sentido¿, justificou. Para Luís Otávio de Souza, economista-chefe do Banco ABC Brasil, a notícia pode ter caráter positivo. ¿Se você tiver uma cúpula influenciada pelo (ex-ministro da Fazenda) Palocci, a notícia pode ser bem interpretada¿, destacou.

MUDANÇAS NA RECEITA

Independentemente da decisão por Guido Mantega no Ministério da Fazenda, o secretário da Receita Federal do Brasil, Otacílio Cartaxo, será substituído. A troca no Fisco é dada como certa. Já há até uma lista dos prováveis sucessores circulando pelos gabinetes de Brasília. O órgão, que é estratégico para boa parte das diretrizes econômicas que a presidente eleita Dilma Rousseff pretende implantar a partir do próximo ano, deverá passar por ajustes administrativos.

Entre os favoritos a ocupar a vaga de Cartaxo estão o subsecretário de fiscalização da Receita, Marcos Vinícius Neder, o superintendente da 8ª Região (São Paulo), José Guilherme Vasconcelos ¿ indicação do PMDB ¿, e Valdir Simão, presidente do INSS. ¿Seja quem for, não fará tantas mexidas¿, diz um servidor da Receita que acompanha de perto a dança das cadeiras. O novo secretário será definido em até duas semanas.

No Tesouro Nacional, a saída do secretário Arno Augustin para ocupar o cargo de secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul também deflagra uma intensa disputa por espaço entre correntes políticas e técnicas que atuam no órgão. No caso do Tesouro, porém, as negociações em torno da sucessão estão sendo conduzidas com mais discrição. Dilma tem feito consultas a Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda) para bater o martelo.

Especulação

A confirmação de Mantega na Fazenda não é garantia de manutenção do grupo que ocupa postos-chaves na pasta. Dilma pretende dar visibilidade a técnicos como Nelson Barbosa, secretário de política econômica, e isolar Nelson Machado, secretário executivo do ministério.

¿Muita gente que acha que vai para o governo pode perder a cadeira e azarões que não estão na boca do povo, emergir¿, reforçou um técnico próximo à equipe de transição.

Em meio às indicações e aos boatos de possíveis integrantes do novo governo, o Ibovespa registrou ontem alta de 1,54%, aos 70.781 pontos. As ações mais negociadas foram da Petrobras, da Vale e de bancos. O dólar encerrou o dia em baixa, cotado a R$ 1,71. O mercado oscilou para cima e para baixo ao longo de todo o dia, ao sabor das notícias de que Dilma já teria decidido confirmar quase todos os integrantes da equipe econômica. (LP e GC)