Título: Para empresário de oposição, modelo chavista não permite ao país competir
Autor: Murakawa, Fabio
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2012, Internacional, p. A13

Presidente da maior entidade empresarial do país, a Fedecámaras, Jorge Botti teme a entrada da Venezuela no Mercosul. Para ele, a indústria local não está preparada para competir com o Brasil e a Argentina, e o objetivo do governo é importar alimentos mais baratos. Leia trechos da entrevista ao Valor.

Valor: Para o sr., o que o governo Chávez pretende com a entrada do país no Mercosul?

Jorge Botti: Nós temos que entender uma coisa. O que move um governo como esse, em todas as áreas, é sempre a política, não a economia. A conveniência de entrar no Mercosul sem dúvida tem mais objetivos políticos, pela aproximação com os governos do Brasil e da Argentina. Em segundo lugar, membros do governo já declararam que entrar no Mercosul implica que poderemos importar ainda mais barato para consolidar o estatismo que está no modelo do Socialismo do Século XXI. Dizem que agora poderemos trazer alimentos importados mais baratos para o povo, a preços justos.

Eu sinto que pouco interessa ao governo os empregos na área produtiva. Não é que seja uma má política econômica. É uma política econômica deliberada, que não quer espaço para a empresa privada, e prevê um Estado gigantesco, que controla a economia e a reparte.

Valor: Há uma comissão presidencial para o ingresso ao Mercosul. Vocês foram chamados para dialogar com ela?

Botti: Lamentavelmente, não, como de costume.

Valor: Como está o diálogo do setor empresarial com o governo?

Botti: Lamentavelmente, muito mal. Escassamente, há alguns contatos em nível técnico muito específico. Algumas associações empresariais que se reúnem para ver o que acontece com os dólares, mas só para estudar casos específicos de fluxo de divisas ou para revisão de preços, que já estão controlados há nove anos. Mas, de resto, não há nenhuma discussão nem aproximação em termos de políticas públicas, de visão de país. Isso está cancelado há quase dez anos.

Valor: O sr. acha que o fato de que o então presidente da Fedecámaras [Pedro Carmona] ter assumido a Presidência durante o golpe contra Chávez, em 2002, foi um erro?

Botti: A primeira coisa que eu fiz desde que assumi a presidência da Fedecámaras, no ano passado, foi tratar de recuperar a confiança do país em nós. Não foi só o governo que perdeu a confiança na Fedecámaras. Outros atores políticos e sociais também perderam. Porque não é o papel de uma entidade como esta assumir o poder.

Valor: O Mercosul é uma ameaça ou uma oportunidade para os empresários venezuelanos?

Botti: Eu diria que é um enorme desafio. E, como todos os desafios, implica riscos. Não tenho a menor dúvida de que a indústria venezuelana não está em condições de competir com o Mercosul, em particular com o Brasil. É a ameaça maior, do ponto de vista de competitividade. Nós não temos medo, nem damos as costas à integração. O problema central é que necessitamos de um governo que compreenda que o setor privado quer competir. Que o governo não parta do princípio de que o setor privado venezuelano é frouxo, pouco dado à competição, rentista e, portanto, que precisa de um pai que faça o que quiser para que se mantenha ou que o proteja. Isso implica revisar nosso modelo econômico profundamente.

Valor: O sr. crê que é inevitável uma desvalorização do bolívar após as eleições?

Botti: Sim. Não sei se imediatamente depois, isso vai depender dos resultados. Eu creio que, se vence o presidente Chávez, a desvalorização não vai esperar muito. Mas vai ser simplesmente a continuidade do modelo. O déficit fiscal aumentou demais. O modelo se esgotou. Nós temos, pela primeira vez em nossa história petroleira, um "boom" petroleiro, acima dos US$ 100 o barril, e não é suficiente. Temos uma crise de divisas na Venezuela neste momento. Não há escassez de divisas, mas uma escassez de divisas baratas.