Título: O repórter que se incomoda com perguntas
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2012, Especial, p. A16

Russomanno: considerado um "azarão", candidato do PRB saiu de todas as legendas que obstruíram sua obsessão pela disputa por um cargo majoritário

Com um microfone em mãos, a cara fechada e voz alta, o repórter Celso Russomanno circula pelos corredores de um supermercado e para em frente à geladeira dos iogurtes. Sua missão do dia é averiguar a reclamação de uma senhora, que diz ter sido mal atendida ao tentar comprar meia bandeja de petit suisse, com quatro unidades. A loja só vendia o kit com oito. "Que país é esse em que não se respeitam as leis?", berra para a câmera. "A criança é excluída da sociedade porque a mãe não pode comprar só um iogurte. Quero saber o que será dessa criança, se não vai ser o bandido de amanhã".

A cena é de uma reportagem exibida por Russomanno em palestra sobre Direito do Consumidor. Cerca de 150 pessoas assistem ao vídeo. O então repórter da TV Bandeirantes, exibido no telão com terno e gravata, segue para o caixa do supermercado e rasga um pacote de papel higiênico, um de papel toalha e outro de fósforos. A plateia aplaude. O repórter diz que vai levar só uma unidade de cada produto e cita quatro leis que o amparam. A caixa da loja olha assustada. "Esse é um problema seu e do supermercado. Pega a maquininha de calcular e faça a conta", diz. O público vibra. O repórter liga para a polícia para "fazer valer os direitos do cidadão", aumentando o constrangimento. "Aqui é o deputado Celso Russomanno e solicito uma viatura". Quando a polícia chega, o acordo já havia sido feito. A senhora que chamou a TV paga R$ 1,95 pela compra que custaria R$ 8,32 e o caso é resolvido na frente da câmera. "Estando bom para ambas as partes, Celso Russomanno", finaliza com o tradicional bordão.

O candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo exibe a reportagem com orgulho. "Não é pelo preço. É pela cidadania", diz. Aos 56 anos, o candidato, diferente do repórter barraqueiro, tem tom de voz afável. No palco, está com o traje que se repete ao longo da campanha: casaco de couro, calça jeans, blusa listrada e sapato de bico fino.

Nas ruas, as pessoas se aproximam "do cara da televisão". "Ele eu conheço", diz a dona de casa Ivanete Ambrosio de Sousa. "Ele estava na Record e ajudava as pessoas, resolvia os problemas". A dona de casa pede a instalação de um farol perto da escola onde sua filha estuda. Russomanno presta atenção e repete o que ouviu para um assessor. "Pode deixar que eu vou cuidar", diz o candidato. " Já votei no Serra, mas ele abandonou o cargo e fiquei chateada. "Já votei na Marta [Suplicy], mas não conheço esse candidato do PT", diz Ivanete.

Uma assessora fica ao lado de Russomanno, munida de dezenas de fotos com o rosto do candidato. Cada mulher que se aproxima ganha um cartão, com direito a dedicatória. "Para Maria [ou Teresa, ou Alice, ou...], um beijo, Celso".

Maria Alda Santos Gonçalves, de 51 anos, comemora o cartão recebido. "Ele mostra o que acontece com todos nós". A eleitora diz: "Sempre votei no PT, mas vou mudar. O povão sofre demais. Todos que entram na prefeitura se esquecem da gente".

Russomanno diz ter "orgulho" de não estar acompanhado de figurões políticos. Ao caminhar por Pirituba, na zona oeste, tem ao seu lado a apresentadora Nani Venâncio, candidata a vereadora pelo PRB, ex-capa da Playboy e modelo da abertura da novela Pantanal, e o ex-vereador Ivo Morganti, que trabalhou no "Aqui Agora".

"Estando bom para ambas as partes, Celso Russomanno" finaliza seu tradicional bordão

Na cola de Russomanno, em busca de exposição, está diariamente o ex-capitão da Rota Conte Lopes (PTB), candidato a vereador, que se orgulha de ter sido promovido na Polícia Militar depois de trocar tiros com bandidos. O ex-deputado e empresário Turco Loco (PSDB) também acompanha o candidato. A amizade tem duas décadas, quando o empresário anunciava sua confecção no programa de Russomanno. "O turco ficou louco, o turco ficou louco!", gritava o apresentador, dando o apelido que Alberto Hiar ainda usa.

A imagem do candidato sempre esteve associada à do personagem da televisão e na campanha Russomanno alimentou essa ligação. Usou o enterro de sua mãe para criticar o sistema funerário e divulgou como "evento" o ultrassom da gravidez de sua esposa. O nascimento de terceira sua filha Katherine, na semana passada, também foi divulgado.

As trajetórias artística e partidária de Russomanno foram construídas lado a lado. O ex-parlamentar, que já passou pelo PFL, PSDB e PP, foi eleito deputado quando se tornou um fenômeno de audiência na TV. À medida que seu Ibope aumentava na telinha, suas pretensões políticas ganhavam musculatura até conseguir aquilo que tentava há 16 anos: disputar a Prefeitura de São Paulo. Foi pelas mãos do presidente do PRB, Marcos Pereira, ex-vice-presidente da Record, que despontou nesta eleição.

A ligação do candidato com a política veio de família. O avô paterno, Geraldo Russomanno, ajudou a fundar o município de Peruíbe, no litoral paulista, e foi o primeiro prefeito da cidade, nos anos 60. O pai, Ubirajara Celso Russomanno, ingressou na gestão estadual de Paulo Egídio Martins, nos anos 70. A mãe, no entanto, preferiu dedicar-se à enfermagem.

Os três filhos do casal estão na vida política. Celso, com 56 anos, é o primogênito, seguido por Attila, de 54 anos, vereador pelo PP e candidato à reeleição. O caçula, Mozart, de 52 anos, é ex-deputado e candidato a vereador pelo PRB. A família, de classe média, morou na zona sul, entre os bairros de Vila Mariana, Aclimação e Saúde.

Aos 12 anos, no colégio católico, Russomanno foi para a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, tornou-se responsável pela correspondência da entidade de direita. Desistiu depois de dois anos.

Aos 21 anos, começou a trabalhar no Detran atendendo ao público e foi responsável pelas placas de carros. Depois, foi chefe de plantão do juizado de menores da capital. A vida melhorou ao trocar a repartição pública pela ante-sala do governador Paulo Maluf, com um cargo de "faz tudo", que ganhou por influência de Calim Eid, braço direito e secretário do então governador. Aos 26 anos formou-se na Faculdade de Direito de Guarulhos, mas não prestou o exame da OAB e não pode advogar. Russomanno saiu do governo quando acabou o mandato de Maluf e tornou-se assessor de Aureliano Chaves, vice do presidente João Baptista Figueiredo.

Paralelamente à atuação política, tornou-se sócio-diretor da Night and Day Promoções. Dois anos depois, estreou como apresentador de um programa de entrevistas em que cobrava do entrevistado.

Em 1990, ficou conhecido ao gravar a agonia de sua mulher no hospital, para denunciar o descaso médico. A morte da mulher foi exibida no programa "Night and Day" e, com a repercussão do caso, Russomanno foi contratado no ano seguinte pelo SBT para fazer parte do programa "Aqui Agora". Na emissora, tornou-se um dos repórteres de maior audiência. Depois da morte da mulher, namorou capas de Playboy e famosas, como a cantora Simony.

Filiado ao PFL, migrou para o PSDB, a convite do então senador Mario Covas. Em 1994, lançou-se à Câmara e obteve a maior votação absoluta do país, 233,4 mil votos.

Animado com a votação, lançou-se pela primeira vez como pré-candidato à Prefeitura de São Paulo em 1996, contra José Serra. Novato no partido, Russomanno foi preterido e o escolhido foi José Serra. Com isso, migrou para o PPB (atual PP) no ano seguinte.

Na Câmara, votou a favor da criação da CPMF - apesar de dizer nesta eleição que nunca votou a favor da criação de impostos. Em 2005, foi contra a criação da CPI dos Correios para investigar o mensalão, porque integrantes de seu partido estão envolvidos no escândalo.

O ex-deputado foi denunciado pela Procuradoria Geral da República por suposto crime de peculato. Segundo a acusação, a funcionária Sandra de Jesus Bernardo Nogueira, do gabinete do então parlamentar, atuava como gerente de sua empresa, apesar de ser paga com recursos da Câmara. O processo tramita na Justiça do Distrito Federal.

Russomanno é suspeito de usar o mandato em favor de dois grandes amigos. O deputado teria feito lobby para defender o empresário Laerte Codonho, dono da marca de refrigerantes Dolly, e seu sócio. Teria também atuado em favor de Mario Tolentino, dono da Rede Brasil, emissora em que Russomanno apresentava programa e onde trabalha sua filha Luara.

Outro problema se deu em 2010, quando tentou destinar R$ 1,1 milhão para sua ONG, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, em prática vedada pela legislação.

Entre os quatro mandatos que teve como deputado, lançou-se à Prefeitura de Santo André, em 2000. A negociação foi feita com Calim Eid, aliado de Maluf. Eid morreu, mas Maluf cumpriu a promessa de apoiar Russomanno, que foi derrotado por Celso Daniel (PT). Nessa disputa, foi acusado de irregularidades em seu domicílio eleitoral e foi investigado por suposta falsidade ideológica.

Durante seus mandatos como deputado, Russomanno manteve-se nas telinhas e passou pelo SBT, Record, Bandeirantes e Rede TV.

Dentro do PP, Russomanno enfrentou sucessivos embates com Maluf. Quando este foi preso por 40 dias, Russomanno aproveitou a situação para costurar uma aliança com Orestes Quércia (PMDB). Em 2006, indicou seu irmão Attila para vice do pemedebista. Em 2008, Russomanno tentou disputar a prefeitura paulistana, mas novamente foi impedido. No ano seguinte, lançou-se ao governo estadual, com aval de Maluf. Terminou com 5,4% dos votos.

Em setembro de 2011, migrou para o PRB para lançar-se à prefeitura paulistana. Antes de Russomanno filiar-se ao partido, o PRB pensava em outra opção. Em julho de 2011, o presidente da sigla, Marcos Pereira, procurou o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), para negociar uma chapa católico-evangélica. O PMDB indicou Gabriel Chalita, ligado à igreja católica, e o PRB ofereceu a cantora Sula Miranda, irmã da cantora Gretchen.

No início de setembro, com a publicação da primeira pesquisa sobre a sucessão, o PRB mudou de ideia. A pesquisa mostrava o apresentador na liderança ou em segundo lugar e com baixa rejeição. No mesmo dia, Pereira convidou Russomanno a disputar pela sigla.

"Não tem mágica. Foi o planejamento associado a uma boa leitura da pesquisa. Sabíamos que com um bom trabalho de marketing ele deslancharia na pesquisa", diz Pereira.

A postura e a fala de Russomanno foram moldadas por ex-executivos da emissora, todos vinculados à Igreja Universal do Reino de Deus.

A relação de Russomanno com a cúpula da Record é antiga. O jornalista foi o primeiro a ser contratado pelo bispo Edir Macedo, dono da emissora e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. "Ele era um jornalista, deputado e empresário, que trazia fornecedores para a empresa", diz Pereira.

No início da disputa eleitoral, Russomanno era considerado um "azarão". Sem obstáculos do PT e do PSDB, aliou-se ao PTB e conseguiu tempo de televisão.

Apesar de ter pouco mais de dois minutos na TV, ante quase oito dos candidatos do PT e do PSDB, Russomanno manteve-se na liderança e hoje registra 30%, segundo o Datafolha.

Mesmo fora do PP, Russomanno tem aliados de Maluf, como o deputado Campos Machado (PTB) e o deputado Arnaldo Faria de Sá, ex-secretário do governo Celso Pitta. As propostas resgatam bandeiras malufistas e do ex-prefeito Jânio Quadros, como reforçar a segurança, transformar os cidadãos em fiscais, e "varrer" a corrupção. Adversários costumam chamá-lo, em tom jocoso, de "menino malufinho".

Na reta final do primeiro turno, Russomanno age para desviar dos ataques do PT, PSDB e PMDB. Em eventos mais polêmicos, tem ido na surdina, como o anúncio de apoio da Igreja Renascer. Em meio às perguntas incômodas, fecha o semblante. "Não vou responder, não vou responder", diz. "Respeite a minha candidatura". Sem o microfone em mãos, o repórter, que ficou famoso por encurralar seus entrevistados, agora se incomoda com as perguntas.