Título: Orçamento fortalece agricultura familiar
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, Agronegócios, p. B14

Em meio à persistente crise de renda e liquidez no agronegócio, concentrada no segmento de grãos, as políticas públicas do governo federal para a agricultura familiar continuarão como as principais prioridades em 2007.

Apesar dos recentes afagos ao agronegócio, como a antecipação de R$ 1 bilhão para a comercialização da safra de soja, os orçamentos de custeio e investimento dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura deixam clara a opção preferencial do atual governo. Pela proposta orçamentária em discussão no Congresso Nacional, o Desenvolvimento Agrário terá R$ 3,6 bilhões para investir no próximo ano. Já a Agricultura ficará com R$ 950 milhões.

A diferença de orçamento tem alimentado uma rixa de bastidores e criado uma forte divisão entre agronegócio e agricultura familiar sob o governo Lula. "É desigual mesmo. E estamos só começando. Queremos mais. O orçamento do Desenvolvimento Agrário é ainda pequeno. É preciso uma intervenção maior. Tem que mudar assistência técnica, habitação, agroindústrias e cooperativas", avisa Altemir Tortelli, coordenador da Fetraf-Brasil, que reúne 1 milhão de famílias em sindicatos de 22 Estados.

"Não temos as condições que tem o Blairo Maggi [governador de Mato Grosso e maior produtor individual de soja do mundo]. Política pública é para quem mais necessita. A agricultura familiar precisa de condições mais favoráveis".

E a preferência parece ganhar corpo. O governo prevê investir R$ 940 milhões, quase o orçamento total da Agricultura, apenas na aquisição de terras para a reforma agrária - neste ano, previam-se gastos de R$ 931 milhões, mas que devem bater em R$ 1,43 bilhão até dezembro com os créditos suplementares, diz o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Marcelo Cardona.

"O governo Lula insiste em criar esse antagonismo, o que só gera corrupção, apadrinhamento e ineficiência. O Brasil perde com essa diferença e com dois ministérios para tratar do mesmo tema", reage o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), João Sampaio. "É fato que vai faltar dinheiro para as políticas de seguro, de defesa sanitária e haverá uma enorme ajuda aos movimentos sociais, como o MST, para comprar cestas básicas a acampados. É mais do mesmo. E isso é lamentável", conclui.

De fato, os recursos do Ministério da Agricultura devem crescer, mas ainda serão menores que as necessidades. "Pedimos R$ 420 milhões, mas levamos R$ 195 milhões", diz o secretário de Defesa Agropecuária, Gabriel Maciel.

Neste ano, o orçamento da área, a principal prioridade do ministério, somou R$ 146,4 milhões. Mas apenas R$ 109,5 milhões foram autorizados até outubro. "Há uma promessa de não haver contingenciamento [bloqueio parcial do orçamento] em 2007", afirma Maciel. Serão R$ 73,5 milhões para a defesa animal, dos quais R$ 41,5 milhões para o combate à febre aftosa. Os laboratórios R$ 41 milhões.

O Desenvolvimento Agrário terá pelo menos R$ 147 milhões para o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) em 2007 - neste ano, foram aprovados R$ 138 milhões, mas os suplementos elevaram o total a R$ 235 milhões. "Na verdade, precisa aumentar esse orçamento porque a demanda é grande e sempre precisamos de crédito suplementar", diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel dos Santos.

Segundo ele, o agronegócio tem um plano de safra muito maior do que a agricultura familiar - são R$ 50 bilhões contra R$ 10 bilhões. "O agronegócio tem que trabalhar com regras de mercado. Nós precisamos de apoio, garantia de subsídio e recursos", diz Altemir Tortelli.

Mesmo em áreas onde teoricamente levaria vantagem, a Agricultura não tem garantia de orçamento. Ao contrário do que tem dito o ministro Luís Carlos Guedes Pinto, o ministério ainda não conta com R$ 2,8 bilhões para apoiar a comercialização da atual safra 2006/07, que terá seu auge entre fevereiro e abril. O orçamento prevê R$ 2,26 bilhões.

O restante terá que ser arrancado via emendas no Congresso. "Estão desviando dinheiro do agronegócio. Vai faltar recursos para o seguro rural e a defesa agropecuária. Vamos tentar reverter isso no Congresso", promete o senador Jonas Pinheiro (PFL-MT).

O seguro rural, outra prioridade da Agricultura, terá apenas R$ 45 milhões em 2007. Neste ano, o orçamento chegou a R$ 61 milhões. "Pedimos R$ 100 milhões, mas ainda dá para brigar por mais recursos no Congresso", afirma o secretário de Política Agrícola, Edílson Guimarães.