Título: Executivos "forasteiros" migram para orgânicos
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, Agronegócios, p. B14

Eles sempre moraram em grandes cidades. Fizeram carreira no mercado financeiro e consultorias, e o mais perto que chegaram da zona rural foi em fins de semana no sítio com a família. Clássicos "urbanóides", eles agora engordam o número de executivos que viraram empresários e apostam nos produtos orgânicos, um dos segmentos considerados mais promissores do campo brasileiro.

"Eu gosto muito da Gregory, é uma grande empresa, mas estou feliz mesmo é agora", diz Cassiano Franco, há dez anos consultor financeiro da marca de moda feminina e que, recentemente, fechou seu primeiro contrato para produzir adubo orgânico a partir de resíduos da Ceagesp - maior centro atacadista de frutas, legumes e verduras de São Paulo. Às planilhas financeiras, que ainda são o seu ganha-pão, Franco diz dedicar apenas quatro horas do dia. "As outras 12 horas são para a minha empresa e para prospectar mercado".

O empresário novato é um exemplo de iniciativa que corre paralelo à falta de normas do setor no país. A regulamentação da lei 10.831, que estabelece os parâmetros para comercialização de orgânicos no mercado interno, está parada desde janeiro em Brasília.

Mesmo sem a regulamentação, que poderia dar ganho de escala e baratear os produtos, o Brasil já está entre os seis maiores produtores de orgânicos do mundo. A estimativa é de que 800 mil hectares de terra sejam destinados a esse plantio. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o Brasil movimenta US$ 250 milhões ao ano, mas a expectativa é de, até 2010, atingir US$ 3 bilhões.

"Os orgânicos são o futuro da agricultura do Brasil", diz Franco, entusiasmado com a sua Agrorgânica, criada em sociedade com os dois filhos e que emprega oito pessoas. A empresa é, de fato, uma fazenda arrendada de 500 mil metros quadrados em Campinas, que recebe por dia 70 toneladas de frutas e verduras não aproveitadas pela Ceagesp e que são convertidas em um composto rico em nitrogênio, fósforo e potássio - o adubo orgânico. "Banquei todo o investimento de R$ 1,5 milhão", diz ele.

De cada 100 toneladas que chegam da Ceagesp, ele produz 20 toneladas de adubo vendidos para produtores de figo e morango orgânicos de Atibaia, Valinhos e Campinas e floristas de Holambra.

Em Itaipava, na serra de Petrópolis, Rio de Janeiro, o casal Angela e Dick Thompson, ela historiadora e ele ex-sócio do Banco Garantia, investem em verduras e pães orgânicos, uma dos chamarizes da Biofach América Latina, a maior feira de produtos orgânicos do país que começa nesta semana em São Paulo. Dick e Ângela têm uma história semelhante à de Franco: trocaram a correria do mundo corporativo pela fazenda. O Sítio do Moinho, que começou há 17 anos como uma opção para passear com as crianças, é hoje uma empresa sólida, com um portfólio de vendas a grandes redes de supermercados, restaurantes e clientes individuais.

O carro-chefe continua sendo as verduras enviadas diretamente aos 30 restaurantes do Rio e 100 domicílios. "Foi um hobby, que virou um negócio e que hoje ocupa sete dias da semana do meu tempo", diz Dick. Com 53 funcionários, a empresa quer aumentar a participação de seus pães orgânicos no mercado. Na Biofach desta semana irá apresentar a nova linha de pães que inclui ciabattas e massas para pizza, que usam farinha e azeites orgânicos importados da Itália.

"É muito incipiente, mas temos potencial de produzir 2, 3 mil pães dias. Hoje são só 400", diz Dick. "Do ponto de vista financeiro, matemos a cabeça boiando em cima da água. O break-even não vem em pouco tempo, é um esforço que leva mais tempo", explica, sem querer citar números de faturamento.

E não são só iniciativas independentes que movem o mercado. Indústrias do setor de alimentos também voltaram-se nos últimos anos para os orgânico, e o mesmo tem ocorrido com outros setores.

Desde o ano passado, o catarinense Grupo Lince, de têxteis e plásticos, criou o Fazenda e Casa, braço exclusivo para orgânicos. Para a empresa, o atrativo é a exportação. "Há conscientização sobre orgânicos no exterior", diz Consuelo Seefeld, diretora internacional. Neste mês, eles enviarão o primeiro lote de geléias e conservas para a rede Whole Foods, nos EUA. "A idéia é focar 80% dos produtos para o exterior até 2007".

Na mesma direção está a Native, da Usina São Francisco, que assim como outros grupos de alimentos viu nos orgânicos um nicho de mercado. Criada em 1997, a Native responde por 60% da produção mundial de açúcar orgânico e hoje atende mais de 50 países nos cinco continentes. A empresa está entre os 300 expositores de 12 países que participarão da Biofach.