Título: Agora vai?
Autor: Cotias, Adriana e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2006, EU & Investimentos, p. D1

O Índice Bovespa (Ibovespa) voltou a encostar nos 40 mil pontos na semana passada, nos níveis só atingidos em maio, mas ainda está em aberto se esse ensaio de recuperação veio para ficar. Outubro, com uma valorização de mais de 6%, já é, em 2006, o terceiro melhor mês para a bolsa local. Mas a relutância do investidor estrangeiro em retomar a compra de ações brasileiras no pregão coloca em xeque a consistência desse movimento. Nessa reta de fim de ano, a percepção é de que há, sim, fôlego para mais um pouco, mas nada além do recorde anterior, na casa dos 42 mil pontos.

A seguir nessa toada, na contabilidade do ano a renda variável pode ganhar das demais aplicações financeiras, com um retorno de mais de 25%. O cenário para 2007 é, porém, incerto: há dúvidas sobre a que ritmo vai andar a economia americana, commodities e, por aqui, que reformas vão pautar a agenda do próximo governo, seja Lula ou Alckmin a vencer a corrida eleitoral do dia 29.

Capital externo disponível para comprar ativos brasileiros até que há em abundância. Com os resultados recordes das empresas e os polpudos dividendos pagos nos últimos anos, o investidor estrangeiro tem caixa para buscar diversificação em mercados emergentes, segundo o responsável pela área de bolsa do Banco Votorantim, Pedro Thomazoni.

O desaquecimento do mercado imobiliário americano, em vez de contaminar a economia, tem trazido um fluxo adicional para ações. Só que o Brasil não tem sido o destino preferencial na atual rodada de valorizações pelos mercados globais.

"A recuperação está atrasada em relação a outros emergentes como a Índia, que retomou às suas máximas, junto com o recorde do Dow Jones", diz Thomazoni. No ano, o saldo de capital externo na Bovespa estava negativo em R$ 1,68 bilhão até o dia 11, embora tenham ingressado em outubro R$ 542,2 milhões.

Para o especialista, o que está por trás da resistência do estrangeiro é o sentimento de que o Brasil, mesmo com a continuidade do corte de juro ao longo de 2007, vai crescer pouco. Além disso, há uma certa frustração com a falta de comprometimento dos candidatos à presidência da República com reformas mais estruturais como a da Previdência. "Se for só a redução na Selic, o acréscimo no PIB (Produto Interno Bruto) é marginal, o crescimento passa de 3% para 3,5%."

Mas, para quem se empolgou com esse último movimento de valorização das ações, é preciso ter cuidado. Para o estrategista-chefe do banco UBS, Marcelo Mesquita, o Ibovespa na casa dos 40 mil pontos é um nível justo para o cenário atual. Ele considera, no entanto, que fatos pontuais, como o resultado das eleições para presidente da República, podem causar novas valorizações, mas que trarão ganhos pequenos e de curtíssimo prazo. "A bolsa pode subir no calor do resultado da eleição, no entanto, no momento seguinte vai devolver os ganhos, já que não há informações sobre como será o próximo governo", diz Mesquita.

Seja no fronte externo ou local, o cenário só será claro o suficiente para a bolsa ter mais um movimento consistente de valorização a partir do ano que vem, afirma o executivo do UBS. "Nem o destino da economia global e o preço das commodities, tampouco a vontade do novo governo brasileiro em fazer as reformas estarão definidos ainda este ano", diz ele. Pelas suas estimativas, se os cenários externo e local trabalharem a favor, o Ibovespa tem plenas condições de chegar aos 50 mil pontos no fim do ano que vem.

Há quem acredite que os ventos externos podem começar a trabalhar. O chefe de análise da corretora Planner, Luiz Antonio Vaz das Neves, lembra que os últimos números mostraram a possibilidade de uma desaceleração da economia americana acompanhada de inflação, ou seja, o pior dos mundos. "Isso pode fazer a Bolsa de Nova York cair, levando com ela os mercados emergentes."

Se a recuperação dos emergentes prosseguir, cedo ou tarde as ações brasileiras passam a ficar baratas na comparação com outros países, avalia Thomazoni. E apesar de considerar que o setor de consumo é insuficiente para compensar o menor interesse pelas empresas ligadas à cadeia das commodities, ele vê opções ligadas à expansão da atividade local, como bancos, varejo (Pão de Açúcar), construção civil, transporte aéreo (TAM e Gol) e petroquímica.

Depois de o Ibovespa bater a máxima de 39.446 pontos durante o pregão de quarta-feira, a realização de lucros verificada na sexta, se tiver continuidade por mais alguns dias, pode proporcionar boas oportunidades de compra, diz a chefe de análise da Ativa Corretora, Mônica Araújo. Petróleo, geração de energia, consumo e telecomunicações estão entre as alternativas para o médio e longo prazos. Para a especialista, em 2007, os investimentos realizados pelas empresas neste ano devem começar a aparecer nos resultados, mas ainda falta a definição do cenário político para fechar as demais premissas.