Título: Formas de remuneração em PPP
Autor: Souza , Mariana C. de
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2012, Legislação & Tributos, p. E2

Recentemente, foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 575, que altera a Lei nº 11.079 - a Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs), de 2004. Introduziu-se no artigo 6º da norma a possibilidade de a administração pública fazer aporte de recursos em favor do parceiro privado, a serem destinados à construção ou aquisição de bens reversíveis, ou seja, aqueles bens que, muito embora sejam operados e administrados pelo parceiro privado, na execução do objeto de uma PPP, retornam à administração pública no fim do contrato.

A MP 575 possibilita que esse aporte seja empregado em ambas as modalidades de parceria público-privada: a concessão patrocinada (em que o parceiro privado é remunerado pelas tarifas, pagas diretamente pelos usuários dos serviços prestados, e pela contraprestação, paga pelo parceiro público) e a concessão administrativa (em que a remuneração do parceiro privado é paga, integralmente, pelo parceiro público, por meio da contraprestação).

Diferentemente da tarifa e da contraprestação até então previstas na Lei das PPPs - que têm como objetivo remunerar o parceiro privado pela efetiva disponibilização do objeto contratados -, o aporte de recursos está atrelado aos investimentos previstos no contrato. Esse aporte ocorre à medida da realização dos investimentos e não à medida da prestação dos serviços pelo parceiro privado.

Essa inovação altera a formatação das novas parcerias público-privadas, porque, em geral, são previstos altos investimentos nos primeiros anos do contrato, sem que o parceiro privado possa ser remunerado por isso a curto prazo, já que, em muitos casos, ainda não há disponibilização dos serviços. Impossibilita-se a cobrança da tarifa ou da correspondente contraprestação. Nesse modelo, os valores dos investimentos, que, obviamente, compõem a formação da tarifa e/ou da contraprestação, são ressarcidos, paulatinamente, ao parceiro privado, ao longo de vários anos, pari passu à execução do contrato de PPP. Isso encarece o custo dos projetos de PPP para o próprio parceiro público (e, de forma direta ou indireta, para os usuários dos serviços), pois a contraprestação - e a tarifa, quando ela for cabível - considera o custo do dinheiro no tempo, representado pela tomada de vultosos financiamentos.

Com a MP 575, as PPPs poderão prever uma terceira forma de remuneração

Com a MP 575, as PPPs, desde que haja autorização legal específica, poderão prever essa terceira forma de "remuneração" ao parceiro privado (aporte de recursos), guardando proporcionalidade com as etapas dos investimentos efetivamente executados e não, necessariamente, com os serviços prestados. Esse aporte terá como consequência a redução do valor da tarifa ou da contraprestação, implicando redução também do custo de uma PPP ao parceiro público.

Sendo nova forma de "remuneração", a MP 575 disciplinou o seu tratamento tributário. O montante recebido a título do aporte, pelo parceiro privado, não sofrerá a incidência de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL e contribuição ao PIS e Cofins. Por outro lado, a correspondente realização dos bens reversíveis, por meio da depreciação ou da amortização, não será dedutível na apuração de IRPJ e CSLL, sendo adicionada à base de cálculo contribuições sobre a receita.

Essas regras tributárias merecem dois comentários específicos: em primeiro lugar, mais do que diferimento, esse tratamento tributário estabeleceria uma neutralidade fiscal para o aporte de recursos, reduzindo, ainda mais, o custo de uma PPP. Ocorre que, se realmente esse montante for reconhecido como receita, para fins contábeis, haverá benefício também ao acionista do parceiro privado, pois o retorno do investimento pode ser antecipado.

E a questão contábil conduz ao segundo comentário: de acordo com a Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (OCPC) nº 5, os gastos destinados aos bens reversíveis são registrados como ativo intangível ou como instrumento financeiro, de acordo com a remuneração do parceiro privado (tarifa ou contraprestação, respectivamente). Com relação ao novo aporte de recursos, sua natureza contábil deverá ser definida, pois, em princípio, não se trata de qualquer das formas citadas. No caso de o aporte relacionar-se à construção, a respectiva receita e os correspondentes custos e despesas serão registrados, praticamente, no mesmo instante.

Nesse contexto, não se pode esquecer o Regime Tributário de Transição (RTT), que prevê a total neutralidade tributária das novas normas contábeis. Porém, considerando a MP 575, haverá significativa implicação no reconhecimento contábil dos tributos sobre o lucro, de acordo com o Pronunciamento CPC nº 32.

Mariana Campos de Souza e Edison Carlos Fernandes são, respectivamente, sócia do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados; e advogado especialista em IFRS e direito contábil e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)