Título: Modelo de preço reduz desempenho no mercado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2012, Especial, p. F8

Combustível considerado mais limpo e eficiente em processos térmicos industriais, o gás natural vem perdendo em termos de competitividade nos últimos anos. Especialistas culpam o modelo de precificação adotado pela Petrobras - atrelando o preço do energético a uma cesta internacional de óleo - como o grande vilão para a perda de espaço do produto no mercado.

A guerra pela preferência se dá principalmente com o óleo combustível. Segundo levantamento do Ministério de Minas e Energia publicado no mês passado, só tem saído mais barato consumir gás natural para grandes consumidores do Rio de Janeiro e São Paulo. O levantamento leva em consideração os dados coletados durante o mês de julho.

O energético, para clientes com consumo de 50 mil m3 /dia custa entre 95% (CEG) e 99% (Comgás) do preço do óleo combustível tipo A1, o que sugere um forte emparelhamento na relação de competitividade entre os dois concorrentes. Em todas as demais faixas de consumo analisadas a partir do levantamento feito pelo ministério, o gás natural está mais caro que o óleo.

A situação mais crítica ficou evidente na área de concessão da Comgás, que tem em seu mix de compra o gás boliviano, que sofreu impacto da valorização do dólar nos últimos meses. A concessionária vende o gás natural mais caro do que o óleo combustível tipo A1 (OCA1), para a faixa de consumo de 20 mil m3 /dia.

A Bahiagás tem conseguido manter o preço do energético abaixo dos patamares do óleo combustível para clientes que consomem até 20 mil m3 /dia. Ainda assim, o produto comercializado pela distribuidora está custando praticamente 97% do preço do óleo.

O preço do energético foi crescendo fortemente nos últimos anos, acompanhando a alta das cotações do petróleo. De acordo com o gerente da consultoria Gas Energy, Marcelo Mendonça, o preço do gás chegou a custar em média 55% do óleo combustível entre 2003 e 2006, com o aumento da oferta na Bacia de Campos. "A relação de preços de hoje faz com que o gás não tenha competitividade", afirma ele.

O gás natural vendido no Brasil também tem sofrido a pressão externa do shale gas (gás natural produzido a partir do xisto). A cotação Henry Hub do produto se descolou dos preços do óleo e hoje está na faixa de US$ 2,9/MMBTU. Já o gás nacional tem sido vendido de US$ 10 a US$ 12/MMBTU. "A indústria petroquímica não é viável com o gás a US$ 10/MMBTU, com isso perdemos investimentos importantes no país", diz Mendonça.

Os especialistas ainda divergem quanto ao comportamento do preço do gás no Brasil no curto prazo. Para o consultor da Andrade & Canellas, Rodrigo Viana, ainda há muita produção de gás associado no Brasil e por isso a tendência é que o preço continue atrelado ao do petróleo.

Ainda está se buscando uma metodologia para descolar o preço do óleo combustível" afirma outro consultor, Giovanni Rocha, da mesma consultoria.

Para Mendonça, o pré-sal será o vetor de mudança do comportamento do preço do gás natural no país. "Com o aumento da oferta, essa relação de preços vai ter que se modificar, que é os que os EUA fizeram com o gás, descolando-o do preço do óleo e aproximando-o ao do carvão", afirma Lopes, da Gas Energy.

Estudo recente da agência norte-americana de informações do setor energético (EIA, na sigla em inglês), a consolidação do shale gas deve levar este produto do seu patamar atual de US$ 2,80/MMBTU a no máximo US$ 8/MMBTU, considerando o pior cenário de oferta. O estudo prevê ainda uma participação de 49% do shale gas na produção de gás do país em 2035.

Todo esse problema do preço do gás no mercado brasileiro ganha ainda maior impacto para alguns ramos da indústria que não podem prescindir do insumo. A indústria de vidro e de cerâmica são as principais. O energético representa, em alguns casos, 80% dos custos de produção das peças. "A indústria está começando a movimentar, num paralelo ao que aconteceu na questão da campanha para relicitar as concessões de energia", diz Viana.

O início da exploração de reservas de gás natural não convencional na Argentina, contudo, não assusta os especialistas. Para eles, essas novas reservas vão ser voltadas para suprir o mercado interno daquele país e não tem potencial para ofertar no mercado brasileiro. O aumento da oferta no país vizinho pode, por outro lado, ajudar a abastecer o mercado da Região Sul do país, estrangulado pela capacidade do Gasbol (gasoduto Brasil-Bolívia). (CS)