Título: Aqui nós mediamos o caos, diz diretora da pior escola
Autor: Bueno, Sérgio Ruck
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2012, Brasil, p. A4

Faúsa Nedel, diretora da Antão de Faria: escola não é prioridade para muitas famílias, rua é mais interessante para muitos alunos

Encravada no meio de um bairro pobre na zona leste de Porto Alegre, marcado pela violência e pelo tráfico de drogas, a escola Antão de Faria teve o pior desempenho da rede estadual na cidade nas séries finais do ensino fundamental no último Ideb. A nota caiu para 1,9, ante 3,3 em 2009 e bem abaixo da meta de 3,5 para 2011. Uma visita ao colégio, que já foi conhecido pelo apelido de "Carandiru" (presídio paulista desativado em 2002), revela que a avaliação do Ministério da Educação (MEC) está longe de expressar a extensão do drama vivido por professores e alunos da instituição.

"Aqui nós mediamos o caos", resume a diretora Faúsa Nedel, no cargo desde o início de 2010. Uma amostra dos problemas aparece logo na chegada. Um portão de ferro externo dá acesso a um corredor entre dois alambrados de vários metros de altura que segue até a porta principal da escola, protegida por grades e um vigia. Do lado de dentro, os pátios das séries iniciais e das turmas mais velhas são separados por um muro, mas nenhum deles tem equipamentos de esporte e lazer. Apenas mato e pedras no chão, usadas com frequência em brigas entre os alunos.

No fim de 2010 a escola até passou por uma pequena reforma, com pintura de paredes e troca de pisos. Mas como muitas obras públicas em fim de governo, o trabalho parou pelo caminho. O batente da porta do refeitório, por exemplo, segue carcomido por cupins, enquanto o auditório renovado não tem uma cadeira sequer e não pode ser usado. Assim como a biblioteca, que fechou em 2004 e também foi reformada, mas não funciona por falta de bibliotecária. Por enquanto uma das merendeiras organiza os livros, mas não há data prevista para a reabertura.

Segundo Faúsa, além das carências de infraestrutura e da escassa verba de R$ 3,5 mil mensais para custeio, a escola lida com um público em risco social e com dificuldades de aprendizagem. Cerca de 20% dos alunos têm o pai, a mãe ou ambos presos e são criados por parentes. Para muitos, a expectativa máxima é pela alfabetização e a evasão e a repetência são gigantescas. Das 21 turmas das séries iniciais, apenas uma conclui o ensino fundamental ao fim de cada ano. E dos 1,2 mil estudantes matriculados no início do ano passado, 1 mil mantêm o vinculo atualmente, mas em média 350 a 400 deles deixam de ir às aulas diariamente.

"Quando os alunos faltam, tentamos contato por telefone, mas não há participação da família porque a escola não é prioridade para muitas delas", afirma a diretora. Segundo ela, "a rua é mais interessante" para muitos alunos e o cotidiano de violência e abandono acaba se reproduzindo dentro da escola. O recreio já teve que ser suspenso várias vezes para evitar brigas e há alguns dias uma aluna, filha de um traficante de drogas, disse que mandaria alguém "cortar as pernas" do colega com o qual discutiu. Depois de muita conversa os ânimos foram contidos.

O clima tenso repercute nos professores. No ano passado quatro deixaram a escola, intimidados por ameaças dos alunos. Outros quatro ou cinco faltam diariamente por estresse ou doença. "A situação é insalubre", diz Faúsa. No total a escola tem 44 docentes, além de 16 funcionários, e há um mês aguarda pela substituição de uma professora que se aposentou.

Mas para não dizer que só existem problemas, Faúsa explica que a escola foi enquadrada em 2011 no programa Mais Educação, do MEC, o que permitiu a abertura de oficinas nos turnos inversos das aulas em áreas como informática, matemática, teatro e dança. A dificuldade, porém, é novamente atrair o interesse dos estudantes. No primeiro ano, apenas cem das 250 vagas oferecidas foram preenchidas. Em 2012, o número de alunos participantes do projeto caiu ainda mais, para apenas 50.