Título: Vitória democrata pode paralisar negociações comerciais dos EUA
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Internacional, p. A11

O deputado americano Sherrod Brown, do Estado de Ohio, não tem hesitações na hora de apontar os culpados pelas elevadas taxas de desemprego da sua região, que superam a média nacional. O principal é o senador Mike De Wine, seu adversário na disputa por uma cadeira do Senado nas eleições de novembro. O outro é a política comercial executada nos últimos anos pelo governo George Bush.

Siderúrgicas, montadoras de automóveis, fábricas de pneus e outras indústrias desativaram mais de 195 mil postos de trabalho em Ohio nos últimos cinco anos. Muitas empresas transferiram suas linhas de produção para lugares como o México e a China, onde os salários são mais baixos e elas ganham fôlego para competir. Outras fecharam as portas, incapazes de enfrentar seus concorrentes estrangeiros.

Brown, que é do Partido Democrata, transformou o tema na questão central de sua campanha. "Meu adversário apoiou os acordos comerciais que nos custaram esses empregos", diz ele num anúncio veiculado na televisão desde setembro. "Simplesmente abandonamos a classe média quando aprovamos esses acordos", afirmou há duas semanas, num debate com De Wine.

A estratégia parece estar dando certo. A duas semanas das eleições legislativas, as pesquisas indicam que a vantagem de Brown sobre o rival está aumentando. Ele se tornou uma peça-chave no esforço dos democratas para retomar o controle do Congresso americano, pondo fim a mais de uma década de hegemonia do Partido Republicano de Bush e De Wine.

O avanço de Brown mostra que explorar a angústia com os efeitos da globalização rende votos. Indica ainda que uma vitória dos democratas deverá reforçar os instintos protecionistas do Congresso americano, um movimento que pode afetar de forma significativa a política comercial dos EUA e suas relações com países como o Brasil.

As eleições nos EUA serão no dia 7 de novembro. Para obter a maioria, os democratas precisam conquistar 15 cadeiras na Câmara e seis no Senado. Não será fácil. Mas a impopularidade do governo Bush, o fiasco no Iraque e uma sucessão de escândalos envolvendo políticos republicanos estão empurrando cada dia mais eleitores na direção dos democratas.

Se as urnas confirmarem o triunfo previsto pelas pesquisas, a paralisia da agenda comercial de Bush será uma das primeiras consequências. "Vai ficar muito mais difícil aprovar qualquer coisa, e os democratas vão cobrar um preço alto do governo", disse ao Valor o economista Gary Hufbauer, pesquisador do Instituto para a Economia Internacional (IIE, na sigla em inglês).

Há um acordo comercial dos EUA com o Peru na fila para ser votado, e o governo americano está negociando tratados semelhantes com a Colômbia, a Coréia do Sul e a Malásia. Programas que asseguram vantagens comerciais para vários países em desenvolvimento, incluindo Brasil, Índia, Argentina, Bolívia e Equador, perdem a validade no fim do ano, e sua renovação deverá ser prejudicada também.

Será complicado aprovar esses acordos mesmo se o governo continuar com maioria no Congresso, hipótese que os analistas consideram improvável hoje. Bush teve enormes dificuldades recentemente para obter aprovação legislativa para acordos negociados com a América Central e Omã (veja tabela). O tratado assinado com a América Central passou na Câmara com apenas dois votos além do mínimo necessário.

Mas uma vitória dos democratas tende a atravancar o processo ainda mais. Eles defendem a introdução de leis trabalhistas e ambientais rigorosas nos países que negociam vantagens comerciais com os EUA. Se usarem o controle que terão sobre a agenda do Congresso para levar essa idéia para frente, poderão paralisar negociações em andamento ou adiá-las indefinidamente.

Bush deverá ainda ter dificuldades maiores para obter a renovação da autorização legislativa especial que lhe permite negociar acordos comerciais sem o risco de vê-los depois desfigurados pelo Congresso. O mecanismo expira em julho de 2007. Sua prorrogação é considerada essencial para a retomada das negociações da Rodada Doha de liberalização comercial, suspensas em julho.

Há algumas semanas, o senador democrata Max Baucus deu uma amostra do que poderá acontecer ao apresentar suas idéias sobre o assunto para uma platéia de especialistas em Washington. Baucus acha que a autorização que Bush deseja só poderá ser renovada se houver um reforço no orçamento dos programas federais criados para auxiliar trabalhadores prejudicados por acordos comerciais.

Ele também defende a extensão desses programas, hoje restritos à indústria, para trabalhadores empregados em serviços de telecomunicações e informática, entre outros setores. Se seu partido vencer as eleições de novembro, Baucus provavelmente será o presidente da Comissão de Finanças do Senado. Se ele não quiser, nada que se refira a comércio vai andar no Congresso.

Poucos têm dúvidas de que os republicanos sofrerão uma derrota daqui a duas semanas, mas muito vai depender do tamanho do estrago. "Se a maioria obtida pelos democratas for muito estreita ou ficar restrita à Câmara, pode haver algum espaço para negociações", disse ao Valor o professor I. M. Destler, da Universidade de Maryland.

O governo Bush poderá tentar fazer alguma coisa no curto espaço de tempo entre o fim da contagem dos votos e a posse do novo Congresso, em janeiro. Mas será difícil mobilizar a base republicana no plenário e encontrar espaço na agenda dos políticos nesse período. "O orçamento do governo para o ano que vem ainda precisa ser votado, e há outras questões mais prioritárias que comércio", disse Laura Baughman, presidente da consultoria The Trade Partnership.