Título: O meio ambiente revida
Autor: Sachs, Jeffrey D.
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Opinião, p. A13

Nossos sistemas políticos e políticas globais estão em grande parte despreparados para os reais desafios do mundo atual. O crescimento econômico global e o crescimento populacional estão aplicando tensões sem precedentes sobre o meio ambiente físico, e essas tensões, por sua vez, estão provocando desafios sem precedentes para as nossas sociedades. A maioria dos políticos, porém, não tem conhecimento dessas tendências. Os governos não estão organizados para enfrentá-las. E crises que são fundamentalmente ecológicas na sua natureza são gerenciadas por estratégias de guerra e de diplomacias antiquadas.

Consideremos, por exemplo, a situação em Darfur, no Sudão. Este conflito horrível está sendo abordado através de ameaças de uso de força militar, sanções e, geralmente, através da linguagem de guerra e manutenção da paz. A origem inconteste do conflito, porém, é a extrema pobreza da região, que foi agravada desastrosamente na década de 1980 por uma seca que essencialmente dura até hoje. Parece que a mudança climática de longo prazo está causando menos chuvas não só no Sudão, mas também em grande parte da África próxima do Sul do deserto do Saara - uma região em que a vida depende das chuvas, e onde seca significa morte.

Darfur ficou presa em uma armadilha induzida pela seca, mas ninguém considerou apropriado abordar o conflito a partir de uma perspectiva de desenvolvimento de longo prazo, em oposição à perspectiva de guerra. Darfur necessita mais de uma estratégia de água que de uma estratégia militar. Seus sete milhões de habitantes não podem sobreviver sem uma nova abordagem que lhes ofereça uma oportunidade de cultivar as suas lavouras e dar água aos seus animais. Todas as conversas nas Nações Unidas, porém, giram em torno de sanções e exércitos, sem nenhum caminho para a paz em vista.

A carência de água está se tornando um importante obstáculo para o desenvolvimento econômico em muitas partes do mundo. A crise da água em Gaza é uma causa de doenças e sofrimento entre os palestinos, e é uma importante fonte das tensões subjacentes entre Palestina e Israel. Mais uma vez, porém, bilhões de dólares estão sendo gastos para atos de bombardeio e destruição na região, ao passo que virtualmente nada é feito sobre a crescente crise da água.

A China e a Índia, também, deverão enfrentar crescentes crises de água nos próximos anos, com conseqüências potencialmente terríveis. A arrancada econômica destes dois gigantes começou há 40 anos, com a introdução da produção agrícola mais elevada e de um fim aos períodos de fome extrema. Parte daquele aumento na produção agrícola, porém, resultou de milhões de poços que foram submersos para explorar o abastecimento de água subterrânea para irrigação. Agora o nível do lençol freático está caindo a um ritmo perigoso, enquanto a água subterrânea vem sendo bombeada a uma velocidade muito superior à das chuvas que a reabastecem.

Além disso, à parte os padrões de precipitação das chuvas, a mudança climática está alterando o fluxo dos rios, num momento em que as geleiras, que fornecem uma enorme quantidade de água para irrigação e uso doméstico, vêm recuando rapidamente, devido ao aquecimento global. A camada de neve nas montanhas está derretendo mais cedo na estação, de forma que há uma menor quantidade de água dos rios disponível durante as estações de plantio. Por todos esses motivos, Índia e China estão experimentando graves crises de água, que deverão se intensificar no futuro.

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Os Estados Unidos também enfrentam riscos. Os Estados do meio-oeste e do sudeste estão passando por uma seca prolongada que pode ser decorrente do aquecimento de longo prazo, e os Estados agrícolas dependem fortemente de água vinda de um enorme reservatório subterrâneo que está sendo exaurido pelo excesso de bombeamento.

Assim como as pressões aplicadas ao fornecimento de petróleo e gás elevaram os preços, as tensões ambientais agora poderão empurrar para cima os preços dos alimentos e da água em muitas partes do mundo. Considerando-se as ondas de calor, secas e outras tensões climáticas através dos EUA, Europa, Austrália e outros lugares neste ano, os preços do trigo agora estão disparando, atingido os seus mais altos níveis em décadas. Portanto, as pressões ambientais agora estão atingindo a linha de baixo - afetando rendas e meios de vida ao redor do mundo.

Com crescimento populacional, crescimento econômico e mudança climática, enfrentaremos a intensificação das secas, furacões e tufões, o poderoso El Nino, carência de água, ondas de calor, extinção de espécies, e mais. Os temas "amenos" do clima e do meio ambiente darão lugar aos temas estratégicos e desagradáveis do vigésimo-primeiro século. Não há, porém, quase nenhum reconhecimento desta verdade básica nos nossos governos ou nas nossas políticas globais. As pessoas que falam sobre fome e crises ambientais são vistas como "moralistas" atrapalhados, em contraponto aos "realistas" teimosos, que lidam com a guerra e a paz. Isso é um absurdo. Os chamados realistas simplesmente não entendem as origens das tensões e carências que estão causando um crescente número de crises ao redor do mundo.

Nossos governos deveriam estabelecer ministérios de Desenvolvimento Sustentável, devotados em tempo integral a gerenciar conexões entre mudança ambiental e bem-estar humano. Os ministérios da Agricultura por si só não terão condições de fazer frente aos casos de escassez de água que os agricultores enfrentarão. Ministérios da Saúde não terão condições de lidar com um aumento nas doenças infecciosas decorrentes do aquecimento global. Ministros do Meio Ambiente não conseguirão agüentar as pressões sobre oceanos e florestas, ou as conseqüências do aumento no número de eventos com condições climáticas extremas, como o Furacão Katrina do ano passado ou o Tufão Saomai deste ano - o pior da China em muitas décadas. Um novo ministério poderoso deveria ser incumbido de coordenar as reações à mudança de clima, escassez de água, e outras crises do ecossistema.

No nível global, os governos do mundo deveriam entender por fim que os tratados que todos assinaram nos anos recentes sobre clima, meio ambiente e biodiversidade são pelo menos tão importantes para a segurança global quanto todas as zonas de guerra e focos de crises que ocupam as manchetes, orçamentos e a atenção. Ao se concentrarem nos desafios subjacentes do desenvolvimento sustentável, nossos governos poderiam por um fim às crises atuais (como em Darfur) e evitar a ocorrência de muito mais crises no futuro.

Jeffrey D. Sachs é livre-docente de Economia e diretor do Instituto Terra na Universidade Columbia. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org