Título: Imposto no Brasil é o maior dos Brics
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 19/11/2010, Economia, p. 16

Carga tributária do país chega a 34% do Produto Interno Bruto, nível superior ao registrado na China, na Rússia e na Índia

A pesada carga de impostos e tributos recolhida no Brasil, equivalente a praticamente um terço de tudo o que é produzido no país, é a mais alta entre os países que compõem os Brics (grupo de nações emergentes formadas por Brasil, Rússia, Índia e China). A conclusão consta de um estudo desenvolvido pelo escritório de advocacia Machado-Meyer, apresentado ontem em São Paulo. Das quatro economias, a brasileira desponta com carga tributária de 34% do Produto Interno Bruto (PIB), seguida pela russa (23%), a chinesa (20%) e a indiana (12,1%) - que tem estrutura mais próxima da nossa.

Para Daniel Monteiro Peixoto, sócio do escritório que desenvolveu a pesquisa, apesar da diferença, o principal problema brasileiro não é o tamanho da carga tributária, uma vez que outros países têm uma arrecadação de impostos ainda maior em relação ao PIB, mas sim o mau uso dos recursos recolhidos. "Apesar de o Brasil ter a carga tributária mais elevada entre os Brics, isso não significa que a estrutura seja pior. Mas também não é reflexo de crescimento, já que a Índia tem uma carga tributária menor e também tem apresentado taxas expressivas", afirmou.

Peixoto destacou ainda que, apesar do ônus ao contribuinte brasileiro e da pouca contrapartida em serviços e benefícios à população, o Brasil ainda leva algumas vantagens em relação aos demais Brics, tanto na ponta arrecadatória, quanto na distribuição dos recursos. "Hoje, reconhecidamente, a aparelhagem de arrecadação do Brasil é bem melhor do que a de outros países", ponderou. Como exemplo, Peixoto lembra que a Índia tem baixa capacidade de arrecadação, o que faz com que o país asiático tenha um deficit fiscal próximo de 10% em relação ao PIB. Enquanto o Brasil tem um número de contribuintes de 20 milhões em uma população de cerca de 185 milhões de habitantes, a Índia apresenta uma base arrecadatória proporcionalmente menor, com 1,1 bilhão de habitantes e 40 milhões de contribuintes. Outra grande diferença entre Brasil e Índia aparece nos gastos com previdência. Aqui, os benefícios pagos chegam a 12% do PIB, enquanto na Índia a apenas 0,6%.

Transição A questão tributária figura, atualmente, entre os nós que a presidente eleita, Dilma Rousseff, tenta desatar, já durante o governo de transição, antes mesmo de assumir a cadeira no Palácio do Planalto. As primeiras indicações, entretanto, sugerem ajustes pontuais na legislação tributária e não uma reforma global, como a necessidade de criação de uma receita específica para a saúde e mesmo a ressureição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, uma reforma tributária parcial tem mais chance de sucesso. "Se tentarmos fazer uma reforma completa, não conseguiremos. Se focarmos em alguns pontos, aí sim, poderemos obter algum sucesso", afirmou em um seminário realizado ontem pela Câmara Americana de Comércio (Amcham). Para ele, a atual estrutura de gastos da economia brasileira torna quase impossível reduzir a carga tributária, mas levando em conta o fôlego do mercado doméstico, é preciso encontrar formas de diluir a cobrança dos impostos. "A ideia de reduzir impostos não é factível. Temos que aproveitar essa gente que está chegando (no mercado de trabalho) e distribuir melhor a arrecadação", ponderou.

Delfim Netto lembrou que o principal desafio para a gestão de Dilma Rousseff é criar mecanismos que limitem o crescimento dos gastos em um ritmo menor do que o do PIB - como já sugerido pelo próprio ministro do Planejamento, Paulo Bernardo - de forma a equilibrar, a longo prazo, a situação fiscal brasileira e criar condições para aumentar o investimento e a poupança interna, tornando o país menos dependente do financiamento externo.

Simulações O ministro Paulo Bernardo afirmou recentemente que simulações realizadas pelos técnicos da pasta mostram que é possível estabelecer um plano de contenção do avanço de gastos. Se adotada, a rigidez fiscal poderia permitir em um período de quatro a cinco anos que o país dobrasse os investimentos públicos e atingisse o equivalente a 2% do PIB.

ANALISTAS PESSIMISTAS

Apesar dos evidentes sinais de robustez da atividade produtiva, analistas internacionais não escondem a preocupação com os rumos do país a partir do próximo ano, quando Dilma Rousseff assumirá a Presidência da República. Tanto que o Brasil recebeu, em outubro, a pior avaliação de clima econômico dos últimos 15 meses, conforme pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A inflação em alta, a piora das contas públicas e o câmbio foram apontados como justificativas para as preocupações.

A avaliação do Brasil reflete a onda de pessimismo em relação à América Latina. O Índice de Clima Econômico (ICE) da região caiu de 6,0 para 5,8 pontos de julho a outubro. A guerra cambial foi citada pela maioria dos 145 analistas de 17 países consultados pela FGV. Eles citaram ainda como importante entrave à sustentabilidade do desenvolvimento latino-americano a falta de competitividade internacional. "Os analistas foram influenciados pelo câmbio, claro, para apontar isso", disse a responsável pela divulgação do indicador, a economista da FGV Lia Valls.

Segundo ela, logo depois do estouro da crise mundial, em setembro de 2008, imaginou-se um impacto muito grande na economia da região. "Isso não ocorreu e as expectativas dos analistas melhoraram. Mas, passado o momento de recuperação, os problemas da região começam a aparecer mais. Além disso, a recuperação mundial está um pouco nebulosa. Os analistas esperam, para os próximos seis meses, uma situação pior do que a de hoje", destacou.

Lia foi além. "Há uma discussão. Dizem que o cenário é róseo (na economia brasileira) porque a China continuará a crescer e os países desenvolvidos continuarão a operar em juros baixos. Mas há preocupação com o financiamento das contas externas e risco de desindustrialização que podemos ter", disse.