Título: Ofertas públicas impulsionam mercado de fusões e aquisições
Autor: Vieira, Catherine e Mandl, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Empresas, p. B1

O espetáculo do crescimento pode não ter passado de promessa de campanha, mas não dá para dizer que o mercado de capitais não fez a sua parte. Nos últimos dois anos, seu avanço foi de tal magnitude que levou junto um segmento que andava meio de lado: o de fusões e aquisições. Dados das empresas de consultoria apontam projeção recorde de negócios neste ano e levantamento feito pelo Valor mostra que desde que as ofertas primárias começaram a se tornar mais presentes no mercado brasileiro já ocorreram 26 operações de fusão ou aquisição envolvendo companhias que se listaram no mercado nos últimos dois anos. Essas operações já somavam mais de R$ 4 bilhões, valor que agora já ultrapassa os R$ 5 bilhões, após o negócio anunciado pela Net e a Vivax.

A operação feita pelas duas operadoras de TV a cabo dá uma pista da importância que o aquecimento das emissões primárias de ações e do mercado de capitais local tem para o andamento de várias das operações de fusões e aquisições que estão em curso no Brasil. A abertura de capital, feita há pouco mais de seis meses, tornou possível para Vivax captar recursos e ter fôlego para crescer e tornar-se mais atrativa. Além disso, viabilizou também o formato da operação feita com a Net, que envolveu uma troca de ações.

O sócio de uma empresa estrangeira especializada em fusões e aquisições, que passou a se interessar pelo Brasil há cerca de dois anos, observa que esse é apenas um exemplo do processo que está em curso no mercado local, lembrando que há muitos mandatos (contratos para buscar compradores ou vendedores) distribuídos, por conta de um "aquecimento incrível" do mercado.

Alberto Guth, da Angra Partners - que comandou uma das maiores operações recentes do mercado, a venda da Brasil Ferrovias para a ALL -, confirma que a movimentação é intensa. "Nossas equipes estão tomadas e o assunto está em pauta em algumas das empresas nas quais participo como conselheiro independente", diz Guth. Para ele, essa onda de compras e fusões é conseqüência natural da evolução do Novo Mercado da Bovespa e das novas listagens que ocorreram principalmente nos últimos dois anos, com grande sucesso. Além disso, observa Guth, o desenvolvimento do mercado aponta uma porta de saída para os investidores e anima os fundos de private equity, que são grandes motores das fusões e das aquisições de negócios complementares.

"Uma empresa que tem sócios no mercado precisa apresentar resultados e crescer de acordo com as expectativas. Fusões ou aquisições muitas vezes são o caminho mais rápido para isso", lembra Fábio Marinho, gerente da área de fusões e aquisições da Ernst & Young. Além disso poder captar no mercado é a luz no fim do túnel para médias empresas de setores que não costumam ter uma alavancagem grande como a que gera a dívida bancária. É o caso de segmentos como o de tecnologia e de serviços, que lidam com muitos intangíveis.

Assim, a possibilidade de captar via mercado, com custos mais interessantes, também significou, para várias empresas, praticamente uma oportunidade única de obter recursos para ir "às compras". "A maneira tradicional de obter recursos para investir no crescimento do negócio era a obtenção de recursos no BNDES, mas é muito pouco usual conseguir dinheiro num banco de fomento para fazer uma operação de aquisição", lembra um advogado especializado na estruturação de operações de fusões e aquisições. "No BNDES, é mais comum o financiamento de um projeto, que vai gerar empregos e envolver a compra de máquinas", aponta Cláudio de Leoni Ramos, da KPMG.

Não à-toa, as empresas já captaram por meio de ofertas públicas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quase R$ 90 bilhões neste ano, um recorde absoluto e valor já superior ao de todo o ano passado, que já era inédito. Somente em ações, as captações já chegam a cerca de R$ 26 bilhões. No BNDES, a via é oposta: os desembolsos estão em ritmo mais lento. O último dado divulgado mostra que até setembro R$ 31,5 bilhões foram desembolsados para projetos neste ano.

"Os IPOs [ofertas públicas iniciais] fornecem uma fonte de recursos que seguramente está impulsionando as operações de fusões e aquisições", avalia Ramos, da KPMG, que monitora, por meio de uma pesquisa da consultoria, o número de operações no Brasil e no mundo.

Sua concorrência também segue de perto o movimento desse mercado. Dados da PricewaterhouseCoopers, nos nove primeiros meses do ano, mostram que houve um crescimento de 46% no número de transações de fusões e aquisições no Brasil. Até setembro, foram 386 operações. De acordo com Raul Beer, sócio da PwC, esse ritmo de crescimento deve manter-se até o fim do ano. Mas, segundo ele, esse volume ainda é bastante pequeno levando-se em consideração o tamanho da economia brasileira. "Pelo tamanho do PIB, as transações ainda têm o potencial de triplicar." Para Beer, o essencial para que a área de fusões e aquisições cresça no país é o desenvolvimento do mercado de capitais, que irá financiar as operações.

"Depois das privatizações, houve um aquecimento com a consolidação do setor de telecomunicações e de bancos", lembra Marinho, da Ernst & Young. Entre 2001 e 2003, compras e fusões de empresas tiveram um enorme recesso. A partir de 2004 começou a se notar uma reversão. "Mas desde o ano passado é que o aquecimento ficou mais sustentado e neste ano, especialmente a partir do segundo semestre, está muito acima da média", diz.

Para Mauro Guizeline, sócio do Tozzini, Freire Advogados, não resta dúvida que há uma relação estreita entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o aquecimento dos negócios de compra e fusões entre empresas. "É uma evolução natural da economia", diz ele, que prevê ainda muitas consolidações pela frente. "Para ficar mais atrativa, seja para ir ao mercado ou para ser comprada por outra maior, a empresa compra ou estabelece joint ventures com outras concorrentes menores. É o que alguns já chamam de 'pedaladas'", explica o advogado.