Título: Formação dos deficientes não é o único obstáculo
Autor: Campos, Stela
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Eu & Investimentos, p. D6

A falha na qualificação das pessoas portadoras de deficiências não é a maior barreira para sua entrada no mercado de trabalho. "A falta de emprego não está relacionada só com a educação, mas com a atitude e o medo de empresas e trabalhadores, é um conjunto de coisas", diz Alain Railland, secretário geral da Workability International, maior organização não governamental voltada para a inclusão de deficientes no mercado de trabalho, presente em 120 países.

Railland e outros dirigentes da ONG sueca, fundada em 1987, chegam hoje a São Paulo para um encontro na próxima quarta-feira com empresários na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Eles participarão de uma plenária do Fórum Permanente de Empresas para Inclusão Econômica das Pessoas com Deficiência, organizado pelo Instituto Paradigma. O objetivo é relatar experiências de sucesso vividas em outros países, que possam servir de exemplo para os brasileiros.

A inclusão de pessoas com deficiências é um assunto que tem tirado o sono de muitos presidentes no país. Principalmente, porque muitos estão com problemas para atender a demanda da chamada "lei de cotas". Pela legislação brasileira, companhias com mais de 100 funcionários devem ter 2% de pessoas com deficiências e as com mais de 1.000, 5%. Várias companhias já foram multadas por não cumprirem a lei. A grande reclamação do empresariado tem sido a dificuldade para encontrar os mais qualificados. O Brasil tem hoje 24,6 milhões de pessoas com deficiências, o que significa 14,5% da população. Dados do Censo de 2000 mostram que 78,7% deles sequer terminaram o ensino fundamental.

Para Alain Railland, que conversou com o Valor, de Paris, por telefone, a responsabilidade sobre essa lentidão no ingresso de de portadores de deficiências nas companhias precisa ser compartilhada pela sociedade. Os governos, entretanto, têm um papel fundamental para impulsionar esses processos. Cabe a eles, diz Railland, pensar na flexibilização de benefícios e leis para ajudar quem passou boa parte da vida à margem do mercado. A seguir alguns trechos da entrevista:

Valor: Como a Workability International está vendo o cenário para a inclusão de pessoas com deficiências na economia mundial?

Alain Rialland: Está havendo algum progresso, talvez não tão rápido como gostaríamos pois a maioria das pessoas com deficiências ainda estão desempregadas. Mas estamos vendo na Europa e em outras partes do mundo legislações e iniciativas fazendo com que mais e mais pessoas sejam incluídas no mercado de trabalho.

Valor: O senhor tem idéia de quantas pessoas com deficiências estão empregadas no mundo?

Rialland: As pessoas com deficiências representam 10% da população mundial. Eu sei que na Europa, 40% delas têm emprego. Mas em outras partes do mundo, incluindo EUA, apenas entre 10% e 30% têm trabalho. É um percentual ainda muito pequeno.

Valor: Existe um modelo de legislação que tenha se mostrado mais eficiente?

Rialland: Sim. Um bom modelo foi o acordo firmado em uma convenção nas Nações Unidas em março do ano passado. Ele diz que é ilegal discriminar pessoas com deficiências na vida formal, no emprego e na educação.

Valor: Existe algum país onde a legislação ajudou, de fato, as pessoas com deficiências a arranjarem trabalho?

Rialland: O país que mais se destaca nesse momento é o Reino Unido. Isso acontece porque eles votaram uma legislação anti-discriminação em 1994. Também nos últimos dez anos, eles mudaram progressivamente a lei para incluir transporte, novos prédios, educação e serviços. Tem sido uma aproximação total, não significa apenas arranjar o emprego.

Valor: Essas medidas ajudaram a gerar empregos?

Rialland: Estamos falando provavelmente em um aumento de mais de 100 mil postos de trabalho nos último dez anos. E o número de empregos cresce a cada ano. Estamos falando sobre 10 mil pessoas que não estavam empregadas entrando anualmente nesse mercado.

Valor: No Brasil, as companhias reclamam que não encontram portadores de deficiências qualificados para contratar. A qualificação dessas pessoas é um problema específico de países em desenvolvimento?

Rialland: Eu acho que a educação é uma área que ainda não dá o devido suporte para pessoas deficientes. Muitos empregos que elas ocupam, entretanto, são da área de serviços, onde os níveis de educação não precisam ser tão altos. Eles podem atuar em supermercados, restaurantes, redes de fast food. O nível da educação não tem sido uma barreira no Reino Unido. É bom lembrar que existem pessoas com deficiências intelectuais. Achamos que no Brasil existem empregadores preparados para oferecer empregos desse tipo. Isso pode crescer substancialmente.

Valor: O que as empresas devem fazer para intensificar esse processo de inclusão?

Rialland: Eu não acho que as coisas aconteçam da noite para o dia, mas é preciso que os empregadores sejam preparados para tentar. Essa é a experiência que vejo na Europa, e em lugares como Austrália, Nova Zelândia e Japão. Os deficientes tem habilidades para contribuir no mercado de trabalho. Estamos indo ao Brasil para mostrar exemplos de como grandes empresas como a Microsoft, Dell e Wall Mart estão fazendo. Existem muitos exemplos para as companhias se espelharem.

Valor: Na sua opinião, é preciso fazer um trabalho com os próprios portadores de deficiências para que eles aumentem sua auto-estima e invistam no seu conhecimento?

Rialland: Sem dúvida, as pessoas com deficiências precisam de suporte. Precisam ganhar alguma experiência antes de serem empregadas. Se o indivíduo não trabalha por muitos anos, precisará de ajuda para mudar essa situação.

Valor: Comparando com outros países da América Latina como o senhor vê o Brasil diante dessa questão da inclusão?

Rialland: Essa é uma das razões porque estamos indo para o Brasil. Temos pouca experiência na América do Sul. O Instituto Paradigma é o nosso primeiro associado na região. Para ter mais deficientes empregados é preciso aumentar o número de empregos. Isso aconteceu na Europa Oriental. É uma questão chave.

Valor: Em países com altas taxas de desemprego é mais difícil criar trabalho para os deficientes?

Rialland: Sim. Posso tomar como exemplo a empresa que eu trabalhei no Reino Unido. Depois da Segunda Guerra tínhamos muitas pessoas feridas voltando com deficiências. O governo tomou uma atitude positiva criando workshops e gerando empregos para eles. Esse pode ser um modelo antigo, mas deu certo. Agora nós acreditamos que a responsabilidade é mais da comunidade e o trabalho deve vir das empresas, mas os governos podem bancar essas iniciativas.

Valor: No Brasil, algumas pessoas com deficiências dizem que preferem ficar em casa do que arriscar entrar em um emprego, que pode não dar certo, e ter que abrir mão de seus benefícios legais. Isso acontece em outros países?

Rialland: Na maioria. Chamamos de barreira da pobreza. Esta tem que ser uma transição bem pensada para que o benefício continue depois que a pessoa entra no trabalho. Se você o retira cedo, a economia da família não suportará.

Valor: Os departamentos de recursos humanos das companhias hoje estão mais preparados para tratar dessa inclusão?

Rialland: Em alguns países, as empresas estão dando treinamentos e suporte para o RH para que eles possam ter mais confiança na hora de empregar deficientes.

Valor: Quem é mais influente na hora de estabelecer essas políticas de inclusão o CEO ou o RH?

Rialland: Todos podem ser bem influentes. Deve haver uma combinação de forças.