Título: Propriedade intelectual e desenvolvimento
Autor: Spiewak, Benny
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2007, Legislação & Tributos, p. D3

A concentração das atenções públicas na publicação, em 22 de janeiro de 2007, do Decreto nº 6.025, que instituiu o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não permitiu que outra norma igualmente publicada naquela data recebesse o merecido destaque. Em um contexto normativo que aborda incentivos fiscais às indústrias de equipamentos para a televisão digital e de componentes eletrônicos semicondutores, a Medida Provisória nº 352 dispõe também sobre matéria específica e de fundamental importância ao desenvolvimento tecnológico, qual seja, a proteção da propriedade intelectual das topografias dos circuitos integrados.

Em brevíssima síntese, um circuito integrado corresponde a um produto que executa uma determinada função eletrônica e cujos elementos e interconexões que o formam integram ou constituem uma peça única, tal como um chip de computador. Por sua vez, a topografia de um circuito integrado constitui a representação da forma na qual tais elementos e interconexões estão alocados e posicionados em tal peça. A topografia de um circuito integrado pode ser considerada o design do circuito.

Tendo em vista a publicação da nova norma, o Brasil passa, enfim, a considerar os circuitos integrados e suas topografias elementos da propriedade intelectual. De fato, implicitamente, a norma reconhece o impacto da tecnologia dos circuitos integrados em praticamente todos os campos da industria e, ao mesmo tempo, corrobora a importância de se proteger tais inovações tecnológicas.

A inclusão dos aspectos de proteção de propriedade intelectual dos circuitos integrados no campo das discussões nacionais reforça a importância desses elementos ao desenvolvimento da industria tecnológica brasileira, que carece de investimentos constantes e vultosos, os quais tendem a prosperar em ambientes normativos que garantam reconhecimento dos direitos dos investidores e criadores.

A proteção dos circuitos integrados, ainda que extremamente recente aos brasileiros, há tempos já é regulada internacionalmente. De fato, em 1989 foi editado, em Washington, o "Tratado dos Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados aos Circuitos Integrados", do qual o Brasil não fez parte. Tendo em vista a impopularidade do referido tratado e a importância da matéria, os aspectos dos direitos intelectuais derivados dos circuitos integrados foram incluídos no artigo 35 do Acordo TRIPS, da Organização Mundial do Comércio (OMC), do qual o Brasil é parte atuante.

A norma recém editada certamente será objeto de diversas e mais profundas análises, mas, desde já, permite que certos aspectos técnicos sejam destacados e citados, ainda que superficialmente. Inicialmente, se destaca o âmbito de proteção prevista na norma, que se aplicará à topografia original que derive um esforço intelectual do criador e que não seja, no momento da sua criação, comum para especialistas de circuitos integrados.

-------------------------------------------------------------------------------- A proteção de circuitos integrados, ainda que recente aos brasileiros, há tempos já é regulada internacionalmente --------------------------------------------------------------------------------

A relevância deste conceito reside na combinação do requisito da originalidade, comumente presente nas obras passíveis de proteção pelo sistema normativo dos direitos autorais, com a atividade inventiva, um dos requisitos da patenteabilidade. Desta forma, de pronto o legislador reconhece a distinção da proteção das topografias dos circuitos integrados comparativamente aos demais elementos da propriedade intelectual.

Em acréscimo, destaca-se a presença, na norma, do instituto do licenciamento compulsório, que poderá ser evocado para assegurar a livre concorrência ou prevenir abusos de direito ou de poder econômico pelo titular de direito, incluindo o não atendimento das demandas mercadológicas. Neste aspecto específico, não se ilustra a inclusão da possibilidade do licenciamento compulsório na norma, mas sim a dificuldade de se projetar as complexas implicações que dele poderão derivar, tendo em vista a amplitude e subjetividade de conceitos como livre concorrência e abuso de direito.

Resta destacar, por fim, a previsão normativa para o sistema de registro das topografias dos circuitos integrados, que será coordenado e processado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A responsabilidade pela administração de mais esse procedimento de registro servirá, inclusive, para certificar que a nova fase do INPI, cercada de necessárias e positivas alterações estruturais, está, de fato, sendo bem executada.

De fato, não se pretende, neste contexto, exaurir a análise do aspectos relacionados à proteção da propriedade intelectual da topografia dos circuitos integrados. Contrariamente, deseja-se iniciar a discussão sobre o assunto, tendo em vista a importância desta matéria ao desenvolvimento tecnológico nacional.

É de se destacar que a regulamentação da proteção dos circuitos integrados e de suas topografias é bem-vinda e de fundamental importância para a consolidação do Brasil como um centro atrativo dos investimentos em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento da inovação. Neste sentido, o que se espera é que a publicação da nova norma permita que esse fundamental campo tecnológico encontre no Brasil uma residência segura e próspera.

Benny Spiewak é advogado das áreas de propriedade intelectual, entretenimento e tecnologia do escritório KLA - Koury Lopes Advogados

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