Título: Uruguai faz acordo para aprovar direito ao aborto
Autor: Felicio , César
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2012, Internacional, p. A11

O Uruguai deverá se tornar o primeiro país sul-americano de fala hispânica a permitir o aborto. Uma proposta para permitir a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação estava em discussão ontem à noite na Câmara dos Deputados uruguaia, em uma votação que deveria ser concluída na madrugada de hoje, mas já havia acordo para a aprovação.

Atualmente, na América do Sul, apenas a Guiana permite o aborto em situações em que a gravidez não decorre de estupro e em que não exista risco de saúde para a mãe. No restante da América Latina, a prática é permitida no México, em Belize, além de seis países caribenhos, dos quais o maior é Cuba.

O projeto uruguaio é apoiado pela Frente Ampla, coligação do presidente José Mujica, que conta com maioria apertada nas duas casas: 16 dos 30 senadores e 50 dos 99 deputados. Para viabilizar a aprovação ontem, foi feito um acordo com o Partido Independente, moderando a proposta.

Pelo acordo, a mulher que desejar abortar terá de submeter a sua manifestação a uma junta médica e realizar entrevistas com um assistente social e um psiquiatra. Caso recuse as propostas de apoio à maternidade e de entrega da criança para adoção após o nascimento, a mulher terá que reiterar sua intenção por escrito duas vezes em um intervalo de cinco dias. Essa parte da lei terá que ser reexaminada pelo Senado, já que houve modificação do texto na Câmara.

A proposta veta expressamente o direito ao aborto para estrangeiras que residam há menos de um ano no Uruguai, eliminando a possibilidade de o país atrair mulheres dos países vizinhos interessadas em interromper a gravidez de maneira legal.

O projeto dividiu os partidos políticos. Deputados da oposição e do governo se licenciaram do Congresso por discordarem da posição das cúpulas partidárias.

"O aborto está proibido teoricamente no Uruguai, mas na vida real é outra coisa. No fundo nossa sociedade não condena a prática. Aqui se praticam ao redor de 30 mil abortos por ano, sem que haja uma única denúncia judicial", disse em seu discurso o deputado Fernando Amado, que se licenciou ao ser proibido de votar a favor da lei pelo Partido Colorado.

Parlamentares governistas forçados a se licenciarem pelo mesmo motivo citaram contra a lei o veto do então presidente Tabaré Vázquez a projeto de igual teor aprovado pelo Congresso em 2008. Médico oncologista e correligionário de Mujica, Tabaré lançou mão de uma questão de princípio: alegou que o feto é um ser vivo desde o início de sua atividade cerebral, na terceira semana de gestação.

Com apoio da Igreja Católica, o Partido Nacional, oposicionista, anunciou que irá coletar assinaturas para submeter o projeto a um referendo. Mas, de acordo com pesquisas de opinião feitas nos últimos anos, a tese ganhou apoio na população uruguaia.

Há quatro anos, quando Tabaré vetou a liberalização do aborto, a ideia era rejeitada por metade da população e contava com o apoio de menos de 40%. Hoje a equação se inverteu: duas pesquisas feitas entre junho e julho mostram 51% de aprovação à despenalização da prática e percentuais entre 37% e 42% a favor da manutenção da proibição.