Título: Filantropia tem pernas curtas, diz especialista
Autor: Wilner, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Caderno Especial, p. F3

Tornar a sustentabilidade um negócio lucrativo é o objetivo de uma poderosa rede global, o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Formado por 190 empresas (entre elas, Votorantim, Aracruz, Vale do Rio Doce e Suzano), com valor de mercado de US$ 5,4 trilhões e 12 milhões de empregados, o WBCSD vem promovendo a idéia de que apenas a filantropia tem perna curta, não gera escala. Nesta entrevista ao Valor, realizada durante o "Ciclo de Encontros sobre Sustentabilidade e Gestão Responsável - Sustentável 2006", organizada pelo WBCSD em conjunto com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marcel Engel, diretor do WBCSD, fala sobre como colocar as questões sociais e ambientais no centro das decisões empresariais.

Valor: Quais são os desafios para incorporar de fato a sustentabilidade à estratégia central das empresas?

Marcel Engel: Acreditamos que as empresas devam se envolver em questões ambientais e sociais não por razões filantrópicas, mas por razões comerciais, procurando reduzir riscos ou criar novas oportunidades. Às vezes, entender melhor a comunidade por meio de filantropia ajuda a desenvolver produtos e a fortalecer a marca na comunidade envolvida. Mas, no final das contas, é importante gerar resultado financeiro, seja no curto, médio ou longo prazo. Para reduzir a pobreza, os projetos precisam ser comercialmente viáveis. A filantropia tende a ser limitada em termos de recursos disponíveis e, portanto, não é possível ganhar escala. É preciso achar um caminho que seja bom para a empresa e para a sociedade.

Valor: O que as empresas que estão na rede da WBCSD geram de valor econômico?

Engel: Este é um conceito que está em desenvolvimento. Até agora, a maioria das empresas vinha se concentrando nos 20% da população mais rica. Os 80% da população que vivem na base da pirâmide têm sido negligenciados no mundo todo. Algumas empresas já estão de olho na base. É também uma necessidade, porque o mercado para a renda mais alta está ficando saturado: há muita competição e pouco espaço para crescer. Mas ainda não fomos capazes de quantificar os projetos que geramos. Esperamos consegui-lo até o final do ano, é mais fácil convencer se mostrar dados concretos. Sabemos que cerca de metade da população mundial consome produtos ou serviços de algum dos nossos membros diariamente, mas precisamos ir além.

Valor: Há estudos que mostram que não há correlação entre desempenho social e desempenho financeiro.

Engel: Hoje, em média, três quartos do valor de uma empresa não dependem de ativos tangíveis, mas de intangíveis como reputação, habilidade em lidar com governo e comunidades, em recrutar empregados, em mudar e se adaptar. É difícil de mensurar. Quando começamos, era bem mais fácil. Focávamos em meio-ambiente. Então trabalhamos o conceito de ecoeficiência, mostrando que otimizar o processo de produção e economizar energia e recursos diminui custos e também é bom para o meio-ambiente. Conforme fomos caminhando para as questões sociais da sustentabilidade, a medida se tornou mais complicada.

Valor: Os economistas liberais argumentam que, se desviar do seu negócio, a empresa não vai gerar valor, apenas desperdiçará recursos da sociedade.

Engel: Não discordamos dessa visão. Uma empresa não sobrevive se a sua situação econômica não estiver em ordem. Mas deve olhar além do curto prazo. Deve ter uma visão mais ampla para antecipar tendências. Se estiver focando no desenvolvimento sustentável, não estará usando mal os recursos dos acionistas. Pelo contrário, a empresa vai estar melhor preparada para lidar com as oportunidades do futuro.

Valor: No Brasil, com o alto custo de capital, poucos podem se dar ao luxo de pensar no longo prazo...

Engel: Não sou especializado. De qualquer forma, independente da taxa de juros, é do interesse das empresas estarem aqui não apenas nos próximos três anos, mas para sempre. Então, é preciso olhar longe. Algumas empresas brasileiras de primeira linha, como Aracruz, Suzano, Vale do Rio Doce e Votorantim, lideram projetos de sustentabilidade. E precisam fazê-lo, porque não operam apenas no mercado brasileiro. Precisam seguir os padrões mundiais. Um dos desafios para o Brasil provavelmente é o fato de que as empresas de primeira linha são ilhas de excelência, talvez não conectadas ao resto da economia. É preciso desenvolver capacidade educacional e ligação com empresas de porte médio.

Valor: Experiências no Brasil com a baixa renda, como no mercado de celulares e no microcrédito, não se mostraram, até agora, lucrativas. Como obter resultados financeiros de um público sem poder aquisitivo?

Engel: Em outros lugares do mundo, há experiências bem-sucedidas. Então, se uma empresa não consegue ganhar dinheiro, é preciso repensar o modelo de negócios. Não se trata apenas de reduzir custos. No caso do microcrédito, é verdade, é difícil viabilizar a operação em bancos comerciais, mas é possível pensar em parcerias. Se for inovador, consegue tornar a operação rentável. Ou não. Então desista. Há negócios que nenhuma empresa faria no longo prazo.

Valor: O que é repensar o modelo de negócios?

Engel: É mudar qualquer fator no processo de produção, da matéria-prima à distribuição. Há iniciativas para desenvolver, por exemplo, um computador de US$ 100. A empresa pode simplificar o produto para atender às necessidades básicas dos consumidores e torná-lo mais acessível. Pode ser inventiva não apenas no produto em si, mas também na maneira que cobra. Por exemplo, por meio de cartões pré-pagos. Depende do que se faz, mas há maneiras criativas de criar uma estratégia diferenciada.