Título: Carbono zero
Autor: Faleiros, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Empresa & Comunidade, p. F1

As recentes constatações dos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) de que o aquecimento global terá impactos significativos sobre o planeta reforçaram a necessidade de ações urgentes. A partir de agora, a responsabilidade em combater o efeito estufa não estará apenas na mão de governos e organismos internacionais, mas fará parte do dia-a-dia de empresas de todos os portes.

"Olhando para o futuro, é possível imaginar que o consumidor vá escolher um produto que contenha um selo de eficiência nas emissões de carbono ao invés de outro cujo processo de fabricação seja mais poluente", prevê Ricardo Valente, diretor do Instituto Totum, consultoria especializada em projetos de redução de emissões de gases estufa.

Na década de 90, quando diplomatas de vários países conseguiram entrar em acordo sobre como combater o aquecimento global, a responsabilidade em cortar emissões ficou restrita às nações desenvolvidas. O Tratado de Kyoto estipula que os países responsáveis por 52% das emissões mundiais devem reduzir, entre os anos de 2008 e 2012, 5,2% de seus gases estufa em relação aos níveis de 1990. O Brasil e outros países em desenvolvimento podem participar com iniciativas voluntárias. Este arranjo passou a ser conhecido como "responsabilidade comum porém diferenciada."

No entanto, mesmo sem estes compromissos formais às nações em desenvolvimento, o grave quadro de aquecimento global vem despertando um sentido de responsabilidade na iniciativa privada brasileira. Já existem pelo menos 15 projetos de empresas que se dispuseram a neutralizar suas emissões de carbono. Para que se tornem realidade, 470 mil árvores nativas estão sendo plantadas pela SOS Mata Atlântica em cinco bacias hidrográficas do país. Em breve, mais 400 mil mudas estarão prontas para atender a novos projetos. As árvores, em seu processo de crescimento absorverão aproximadamente 650 mil toneladas de carbono.

O diretor de captação de recursos da SOS Mata Atlântica, Adauto Basílio, afirma que o plantio das árvores é rigorosamente acompanhado para que seja bem-sucedido.

Para neutralizar tudo o que lança em carbono na atmosfera, uma empresa tem que fazer, antes de tudo, um inventário de suas emissões. Quanto mais ousado for o inventário, maior o benefício ao meio ambiente. A companhia pode ater-se, num primeiro momento, a compensar seu gasto direto de energia, como, por exemplo, mitigar as emissões de sua frota de caminhões ou de geradores de eletricidade. Mas é possível pensar em abater a poluição indireta, causada por funcionários, fornecedores e até clientes.

O Bradesco, por exemplo, já está em fase final de seu inventário de emissões. O levantamento, feito apenas na sede da empresa, a Cidade de Deus, em Osasco/SP, indicou uma emissão de 22 mil toneladas de carbono. O dado inclui a poluição direta, causada pelo consumo de energia e combustíveis, e indireta, como o gasto no transporte dos funcionários. Há ainda o cômputo de outras fontes de carbono, entre elas os serviços de entregas de malote.

O diretor de responsabilidade socioambiental (RSA) do Bradesco, Jean Leroy, explica que, inicialmente, a neutralização de carbono foi pensada apenas para a Cidade de Deus. Mas o caminho é começar a expandi-la a toda a rede do banco. Mesmo os fornecedores estão entre os objetivos do Bradesco. Entre as 1,5 mil empresas que fazem negócios constantes com o banco, criou-se um ranking onde a questão socioambiental passou a ter maior peso. Leroy conta que os conceitos de sustentabilidade foram explorados em um encontro dos fornecedores do banco. "As empresas perceberam que quem tem ações de RSA já sai na dianteira."

Já o diretor de capitalização do Bradesco, Norton Glabes, ressalta que as ações ambientais têm alcançado uma repercussão surpreendente entre os clientes. O banco firmou em 2004 uma parceria com a organização não governamental SOS Mata Atlântica para apoiar o programa Florestas do Futuro. É através desta iniciativa que as emissões de Cidade de Deus serão neutralizadas. Para financiar o plantio das árvores, o Bradesco lançou um título de capitalização especial. A velocidade de venda do produto foi recorde, em apenas trinta dias atingiu-se a meta desejada. Normalmente as vendas levam seis meses. "A preocupação com meio ambiente está muito presente, não serão só os nossos netos os afetados pelas mudanças. Temos que pensar já nos nossos filhos", pondera Glabes.

O consultor Eduardo Petit, da MaxAmbiental, explica que as iniciativas de carbono neutro são reforços importantes às reduções de gases estufa obtidas através da venda de créditos de carbono. Enquanto esta última modalidade criou, em função da obrigações do Tratado de Kyoto, um mercado para ações de maior vulto, a neutralização permite que companhias de todos os portes possam participar. "É um mecanismo muito democrático, feito para que todos colaborem, de empresas a pessoas físicas".

A maioria das ações para neutralizar emissões de carbono no Brasil tem partido de eventos e empresas ligadas ao setor de serviços. Nos últimos meses, feiras de moda, como a Fashionweek e a Couromodas resolveram abater suas emissões com o plantio de árvores. O segmento de serviços tradicionalmente polui bem menos que os outros, mas é uma forma de mostrar que cada um pode fazer um pouco no combate ao aquecimento.

Um exemplo disso é a empresa de internet iG. Segundo o presidente Caio Túlio Costa, a idéia é que a companhia participe do "aculturamento" da sociedade, necessário para mitigar os impactos das mudanças climáticas. Em seu inventário, o iG identificou a emissão de 2 mil toneladas de carbono, feita através de seu consumo de energia com frotas de veículos e viagens aéreas de funcionários. A empresa plantará algo próximo de 10 mil árvores para compensar a poluição. "É uma cultura que está se formando. Eu imagino que nós vamos refinar ainda mais as nossas ações e incluir as nossas emissões indiretas", afirma Costa.