Título: Seis candidatos tentam escapar do traço nas pesquisas
Autor: Munari, Carmen; Taquari, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2012, Política, p. A6

As eleições em São Paulo sempre têm seu lado B. Desta vez, dos 12 candidatos na rinha, seis correm em paralelo à disputa principal com estilos próprios e ideologias diferentes. Em comum, a dificuldade em arrecadar recursos para a campanha e o fato de serem traço nas pesquisas ou no máximo um ponto percentual. Todos os nanicos têm menos um minuto no horário eleitoral gratuito, o que pode ser pouco tempo para eleger, mas é suficiente para ficar conhecido.

Com presença durante 45 dias nas casas dos paulistanos, via rádio ou TV, conquistam um espaço junto ao eleitor, principalmente os insistentes, que se candidatam em toda eleição, para qualquer cargo, como Levy Fidelix (PRTB), em sua 12ª candidatura sem vitória, e Eymael (PSDC), que já foi deputado federal, mas insiste sem sucesso em um cargo majoritário. Desta vez, a eleição também serve de palanque para o estreante Partido da Pátria Livre (PPL), criado em outubro do ano passado. No grupo dos coadjuvantes, figuram ainda as candidaturas de esquerda do PCO, PSTU e PSOL.

Presidente nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Levy Fidelix recebeu 5.518 votos na última eleição para prefeito de São Paulo, em 2008, o que representa 0,09% do total de votos dos paulistanos. Ele parece não se importar com a pouca receptividade e avisa: vai concorrer de novo em 2014, agora à vaga de presidente da República, repetindo as tentativas de 1994 e 2010, que se somam a outras participações nas eleições para prefeito e governador. Fidelix explica o porquê de tantas candidaturas: "Presidente de partido tem que disputar cargos majoritários. É estratégia nacional para puxar candidatos para a Câmara".

Na atual legislatura, Aureo Lidio Moreira Ribeiro (RJ) é o único deputado federal do PRTB. A representação na Câmara é a regra que permite aos candidatos do partido participar de debates na TV, garantindo a Fidelix a presença nos três debates desta disputa. Nesta eleição, a legenda concorre com mais de seis mil candidatos, sendo 104 para prefeito. Mesmo com o anúncio antecipado da próxima candidatura, Fidelix desdenha das pesquisas de agora, em que não pontua. Fala em fraude e informa que tem 4,9% da preferência do eleitor paulistano, segundo o instituto New Senses, contratado por sua campanha. Em uma das propagandas de TV se mostra enfurecido e rasga folhas de papel, como se fossem resultados dos institutos.

"Fazem pesquisa em volta da Igreja Universal", afirma, sobre a liderança de Celso Russomanno (PRB), cujo partido é ligado à igreja evangélica. "Sou uma grife e não preciso me fazer conhecer", referindo-se à sua proposta de criar um aerotrem, transporte de superfície. Nesta eleição também promete cortar a tarifa de ônibus de R$ 3 para R$ 2 e ampliar de três para seis horas o intervalo de uso do bilhete único. Dar desconto no IPTU para estimular o plantio de árvores é outra ideia, assim como encerrar o Cidade Limpa --das poucas iniciativa elogiadas da gestão Kassab (PSD).

Na entrevista, evitou dar detalhes sobre os doadores de recursos de sua campanha. Avisou que estava gravando a conversa e perguntou se a reportagem do Valor havia combinado com outro jornal ao fazer perguntas sobre esse dinheiro, que diz não ser oriundo do Fundo Partidário, a que toda a legenda tem direito, mas que aparece como doado pelo partido, um total de R$ 102.162. Jornalista, Fidelix declarou patrimônio de R$ 410,7 mil. Disse que sua equipe é muito enxuta e que ele mesmo, com a experiência como jornalista, escreve os textos do portal e edita as imagens na ilha de edição.

Nos debates, se esforça para não parecer coadjuvante e adota postura independente, com críticas pontuais aos demais candidatos. Nada, no entanto, que se possa comparar com os petardos distribuídos por Carlos Giannazi (PSOL), que assume o papel de metralhadora giratória, mas sem o mesmo brilho de seu colega de partido Plínio de Arruda Sampaio na campanha presidencial de 2010.

O gaúcho José Maria Eymael é outro habitué de eleições. Quem não se lembra do single de suas campanhas, daqueles que não descolam da memória. "Ey Ey Eymael. Um democrata cristão" ou, na versão para esta eleição, "Ey, Ey, Ey São Paulo, mais que uma cidade uma nação". É de autoria do alfaiate José Raimundo de Castro, filiado ao Partido Social Democrata Cristão (PSDC), e hoje com 86 anos. A musiquinha acompanha Eymael desde sua primeira candidatura, em 1985.

Aos 73 anos, Eymael está na sétima tentativa, com duas vitórias, ambas como deputado federal. Formado em Direito, mudou-se para São Paulo em 1964, "residindo desde então no Morumbi", informa sua biografia oficial ao citar o bairro de classe alta. Estreou na política em 1985, como candidato pelo Partido Democrata Cristão (PDC) à Prefeitura de São Paulo. Concorreu a presidente da República por três vezes e, na disputa de 2010, obteve 89.350 votos ou 0,09% do total. Em todas as disputas, faz questão de citar sua atuação na Constituinte. Para São Paulo, sugere a criação da secretaria da Família, com o objetivo de proteger os valores éticos da família - em coerência com a Democracia Cristã, diz seu programa.

Estudantes da USP preparam o programa do horário eleitoral da candidata do PSTU, Ana Luiza Figueiredo

É empresário, proprietário de empresa de comunicação e declarou R$ 4,63 milhões em bens. Trata-se da segunda maior declaração entre os concorrentes à sucessão de Kassab, atrás apenas de Gabriel Chalita (PMDB). O fato de ser conhecido do eleitorado, contudo, não se refletiu em termos de arrecadação. O candidato do PSDC arrecadou apenas R$ 15,4 mil até a segunda parcial.

A popularidade também não serviu para abastecer o caixa de Fidelix que, embora tenha tido uma receita superior à de Eymael, está longe de alcançar a arrecadação obtida por Fernando Haddad (PT), José Serra (PSDB) e Celso Russomanno (PRB), que gira em torno dos milhões. A escassez também atinge o campo da esquerda. A falta de recursos nesse caso se deve basicamente à decisão de Giannazi, Ana Luiza Figueiredo (PSTU) e Anaí Caproni (PCO) de não aceitar doações de bancos, empreiteiras e concessionárias. É evidente que os três teriam dificuldades em obter contribuições do setor privado com um discurso de estatização de várias áreas da administração pública.

O que sobra são recursos do partido e doações de pessoas físicas. "É melhor fazer política dessa forma do que com alianças espúrias, mesmo sabendo ser um caminho mais difícil. Colocamos o dedo na ferida porque somos independentes, temos liberdade política", diz Giannazi, diretor de escola pública que arrecadou R$ 70 mil na campanha. É a primeira vez que o candidato do PSOL, com 50 anos, disputa a prefeitura na cabeça da chapa. Na última eleição municipal, era o vice de Ivan Valente (PSOL).

Em 2010, foi reeleito deputado estadual com 100 mil votos, o dobro da eleição de 2006. Antes, já havia ocupado o cargo de vereador por duas oportunidades, sempre com um histórico de luta pela educação. Em 2001, então filiado ao PT, chegou a ser suspenso do partido por votar contra o projeto apresentado pela prefeita Marta Suplicy (PT) que reduzia as verbas destinadas ao ensino. A expulsão definitiva ocorreu ainda no fim da gestão petista na capital, quando Giannazzi negou apoio à proposta de criar a tão criticada taxa do lixo na cidade.

Nestas eleições, propõe que o orçamento da educação seja de 31% e deixando de fora despesas com áreas sociais. "Isso permitiria melhorar os salários dos professores e fazer uma reforma pedagógica, com educação de qualidade e gratuita". Na saúde, critica as Organizações Sociais (OS) e defende um "programa que resgate o caráter público do SUS com controle social". Além disso, quer estatizar os transportes e a aplicação do bilhete único por 24 horas. "É uma campanha com condições precárias em termos de financiamento, mas rica em militância. Contamos com trabalho colaborativo nas ruas e na internet. Nossa militância engajada politiza, debate e não pede só votos na rua", afirma Giannazi, que tem R$ 384 mil em bens declarados à Justiça Eleitoral.

Com apenas R$ 10,6 mil arrecadados até setembro, o trabalho voluntário de militantes e assessores se torna fundamental para a candidatura da servidora da Justiça Federal Ana Luiza Figueiredo (PSTU). Para cumprir agendas de campanha, ela pega carona com colegas ou se locomove por meio do transporte público, já que não tem carro. Estudantes da USP são responsáveis por gravar e editar a propaganda na TV. Genilda Souza, professora da Faculdade Cásper Libero, responde pela agenda da candidata do PSTU. Todos colaboram em nome da "causa socialista". "O PT era como nós nos anos 1980. Elegia pessoas com poucos recursos, sem financiamento de empresários. Vendíamos camisetas e adesivos", lembra Ana Luiza, que foi expulsa do PT em 1992, por participar da campanha "Fora Collor"

Ana Luiza, que não declarou bens à Justiça eleitoral, afirma que teria mais chances de "massificar o discurso" e, por consequência, entrar na briga pela prefeitura se o Congresso aprovasse o financiamento público de campanha e todos os candidatos tivessem o mesmo tempo no horário eleitoral gratuito. "Essa falta de visibilidade é quase como uma censura. Nem na ditadura se fazia isso. Agora, o partido acredita que as mobilizações não estão associadas somente às eleições, mas que a campanha permite a discussão de ideias. Por isso sempre concorremos, para marcar nossa posição", diz a candidata do PSTU, que com 53 anos estreia na corrida por um cargo majoritário. Há dois anos disputou o Senado e teve 109 mil votos, resultado que superou somente a votação obtida por Afonso Teixeira Filho (PCO), que recebeu 14 mil votos. Em 2006, outro desempenho inexpressivo, com 1.521 votos para deputada estadual.

Miguel Manso, do PPL, partido formado a partir do MR-8, recebeu a maior fatia de doações, R$ 115 mil

Quanto ao principal debate desta eleição, o da mobilidade urbana, Ana Luiza defende a estatização dos transportes rodoviários com uma tarifa social de R$ 1 e o uso de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor para ampliar as linhas de metrô até a periferia da cidade. Sobre saúde, defende que os hospitais voltem a ser administrados pela prefeitura. Pretende construir duas mil creches para atender uma demanda de 300 mil crianças. Os recursos para tantas mudanças viriam do calote da dívida do município com a União. "Os candidatos que aparecem na frente são todos iguais. As propostas são as mesmas. Na verdade, eles brigam apenas pela chave do cofre", ironiza Ana Luiza, que nasceu em Porto Alegre e chegou a São Paulo com 30 anos.

Agente postal, Anaí Caproni (PCO), 44 anos, é a candidata da esquerda neste ano mais calejada no que se refere às eleições majoritárias. Concorreu ao governo do Estado nas duas últimas. Em 2010, terminou em último lugar, com 4.656 votos ou 0,02%. O resultado não difere muito de sua primeira tentativa de governar a cidade de São Paulo. Em 2008, também ficou na lanterna, com 1.656 votos ou 0,03%. O PCO considera sua participação na disputa como uma ação de "cidadania" na medida em que aponta problemas do município ao eleitor, como o caos no trânsito e a falta de creche nas escolas.

Na propaganda e nos discursos Anaí concentra muito mais suas palavras em críticas a atual gestão do que na apresentação de propostas. As reclamações, por outro lado, não estão restritas apenas ao candidato José Serra (PSDB), apoiado pelo prefeito. O governo federal também costuma ser alvo dos ataques. A candidata do PCO chegou até a usar o tempo no horário eleitoral gratuito para defender as reivindicações dos trabalhadores dos correios na campanha salarial. Na maioria das vezes, o programa na TV e no rádio acaba com a frase: "Quem bate cartão, não vota em patrão".

Na liderança da oposição sindical em São Paulo, Anaí considera a cidade dominada por grandes grupos empresariais. Assim como os colegas da esquerda, prega a estatização dos serviços públicos e a possibilidade dos trabalhadores terem voz ativa na destinação dos recursos por meio de uma reunião com movimentos sociais. Não declarou bens e nem prestou contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a arrecadação de campanha.

Nem só de velhos conhecidos vive a eleição para prefeito da capital paulista. Miguel Manso Pérez, o Miguel, concorre pela primeira vez pelo também estreante Partido da Pátria Livre (PPL). Criado em 2011, o PPL reúne ex-integrantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que estavam abrigados no PMDB e querem ter rumo próprio, difundindo o lema do "nacional desenvolvimentismo".

O próprio Miguel foi militante do MR-8, movimento de esquerda criado há mais de 40 anos para combater a ditadura militar. A data é homenagem à prisão de Ernesto "Che" Guevara, na Bolívia, em 8 de outubro de 1967. Miguel militou no movimento até 1979 e integrou o PMDB por 34 anos.

Defensor da indústria nacional, que lamenta a redução do setor em São Paulo, Miguel critica a prefeitura por ser hostil às empresas, "preocupada em fiscalizar, pedagiar, multar, controlar, proibir". Relata que a cidade tinha 42 mil indústrias na década de 1990 e hoje tem 19 mil. Sobre a mobilidade urbana, tema mais polêmico desta eleição, promete o "rápido paulistano" uma linha exclusiva, de 520 km, com ônibus que levam até 300 passageiros.

"Quem manda na cidade são as incorporadoras e as empresas de lixo. São Paulo está carente de espírito público", dispara, em consonância a colegas de esquerda Ana Luiza e Anaí.

Engenheiro eletrônico de 56 anos, ocupou postos na burocracia pública e trabalhou na iniciativa privada. Foi assessor da presidência da Cesp e da Câmara de Vereadores de São Paulo. Em um sábado de setembro participou de carreata na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Como não poderia deixar de ser, os eleitores olhavam sem entender, perguntando "quem é"? Se ele seguir a carreira da maioria dos demais coadjuvantes, em poucas campanhas ele fica famoso também.