Título: Visão renovada
Autor: Czapski, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Caderno }Especial, p. F1

Chapeuzinho vermelho, no cerrado brasileiro, abre a porta da casa da vovó para... o lobo-guará. Numa seqüência divertida, as crianças aprendem que este lobo só come frutas e, como caça é proibida, melhor será o caçador unir-se à turma, para salvar o cerrado, ameaçado de extinção.

Escrita pelo cientista Ângelo Machado e encenada em junho por alunos da Escola Prof. Luiz Antonio Correia de Oliveira, com participação de crianças carentes, esta peça infantil atraiu 1,8 mil jovens para a sede da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), de Araxá (MG). "Estamos levando o espetáculo para outras cidades, em parceria com ONGs", relata Laura Teodoro, coordenadora do Centro de Desenvolvimento Ambiental (CDA) da empresa, cuja ação ambiental começou há mais de 20 anos, justamente com a instalação de um viveiro de mudas nativas e um criadouro de animais silvestres, mais tarde dedicado a espécies ameaçadas.

Hoje, diz ela, a CBMM mantém um núcleo de educação ambiental junto ao criadouro, que recebeu 25 mil visitantes até 2005. E, desde 2001, com a implantação do Sistema de Gestão Ambiental (SGA), o programa "de olho no futuro" treinou 1,2 mil pessoas, entre funcionários e prestadores de serviço, para o olhar da sustentabilidade, que combina aspectos ambientais, sociais e econômicos.

Em 2004, Laura fez uma pesquisa comparativa em oito empresas do mesmo setor, em Minas Gerais. Constatou que 87,5% têm programas de educação ambiental para o público interno atrelados ao sistema de gestão ou à política ambiental. Para o público externo, a prioridade são palestras, trilhas ecológicas e promoção de atividades sobre desenvolvimento sustentável.

Procedimento não eleito pela CBMM, o estudo de percepção ambiental vem crescendo neste segmento, como ferramenta para desenhar programas. "Se for replicado após três anos de atividades, também ajuda a mensurar resultados", avisa Maria de Fátima Melo Maia, da divisão de extração de minerais metálicos da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Por 10 anos, o órgão mineiro condicionou licenciamentos ambientais de empreendimentos a programas de educação ambiental, acompanhando-os através de relatórios anuais e vistorias.

"Exigimos planos estruturados, com ações para os públicos interno e externo. Não só escolas, mas também a comunidade", resume. Hoje, ela afirma que as empresas estão mais conscientes, têm trabalhos mais consistentes, muitas vezes relacionados à responsabilidade social empresarial (RSE). E a comunidade está mais organizada, atenta aos impactos ambientais".

Foi o que ocorreu em Paracatu (MG), com a Rio Paracatu Mineração (RPM), empresa do grupo Kinross instalada em região predominantemente agrícola. "Já tínhamos o programa portas abertas, de visitas orientadas para a comunidade, que passava por trilhas no cerrado e a área industrial", recorda Rodrigo Dutra Amaral, gerente de saúde, segurança e meio ambiente.

Para cumprir exigências da fundação, diz ele, em 2001 iniciou-se o projeto de capacitação de docentes para a introdução da educação ambiental nas escolas. Dois anos depois, com consultoria da empresa Alternativa, a RPM fez seu primeiro estudo de percepção. "Com um questionário aplicado a vários públicos, pudemos avaliar nossa imagem e atitudes dos respondentes frente a temas ambientais". O programa, que recebeu o prêmio Benchmarking Ambiental 2006, da Mais Projetos, avança de acordo com a evolução da conscientização dos funcionários e da comunidade, conclui Amaral.

É comum, entre brasileiros, a visão reducionista do meio ambiente, como se não fizéssemos parte dele, critica o empresário Luis Henrique Porto, da Alternativa. Na perspectiva sistêmica, segundo ele, tendência para a educação ambiental empresarial, o desafio é desenhar os processos educativos para que as pessoas compreendam que somos parte de um todo e temos co-responsabilidade pelo equilíbrio sócio-ambiental.

Agraciada com o Premio Eco, da Câmara Americana do Comércio (Amcham), a Rigesa, empresa do grupo MeadWestvaco que produz embalagens, preferiu contratar ONGs para operacionalizar seminários anuais de educação ambiental para docentes de 4ª e 5ª séries de escolas do entorno de suas unidades fabris. O programa é conduzido pela Associação Supereco, em São Paulo, Amazonas, Ceará e Bahia; e pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), em Santa Catarina.

Segundo a gerente de comunicação corporativa, Desirée Colucci Martini, desde 2001, a Rigesa aplicou R$ 741 mil no treinamento de 1,8 mil professores. Utilizando-se dos benefícios fiscais da Lei Rouanet para o patrocínio de projetos culturais, outros R$ 750 mil foram investidos, em 5 anos, para produzir e distribuir livros ao programa.

Também com benefícios da Lei Rouanet, a IBM Brasil destinou R$ 834,2 mil para uma mostra itinerante que percorrerá dez cidades até 2007, desenvolvida pela área de responsabilidade social da empresa com a ONG Leia Brasil. O projeto "Reciclasa - novos usos para antigos materiais" apresenta uma casa construída e decorada com materiais reciclados. Em paralelo, há workshops para professores da rede pública e um site sobre os 3 R´s - reduzir a produção de lixo, reaproveitar, reciclar.

Já o Citigroup trabalha a coleta seletiva e reciclagem de lixo com seu público interno, além de investir na redução do consumo de água, energia elétrica no edifício sede, em São Paulo.

Um desafio para quem faz educação ambiental, salienta Luciane Akemi, coordenadora na SPVS, é definir indicadores que meçam a eficiência do trabalho. Para os seminários da Rigesa, diz, questionários "antes e depois" são uma opção.

"Numa oficina ecológica para funcionários que demos em Curitiba (PR) no Hotel Deville, sócio-corporativo da SPVS, um participante propôs envolver os hóspedes, para evitar lavar a roupa de cama e banho diariamente. Isto motivou o programa Pró Conservação do Meio Ambiente", elogia ela. Maria Fernanda Neves, do departamento de marketing da rede hoteleira, afere o resultado: "O consumo médio de água baixou quase 47%".

Consultora e bióloga, há 12 anos à frente do Supereco, Andrée Rider Vieira concorda que a prática da educação ambiental empresarial exige diagnósticos prévios e resultados mensuráveis em curto prazo. O instituto também atende a Suzano Papel e Celulose, com o programa Comunidade Produtiva, de geração de renda. "Identificamos produtos que as comunidades de São José de Alcobaça e Helvécia (BA) e de Biritiba Mirim poderiam desenvolver com resíduos do corte de eucalipto e prospectamos empresas interessadas nos ecobrindes". Em Biritiba Mirim, cita, oito costureiras fazem cortinas decoradas com o fruto da árvore. É renda para as famílias.

Se para o público externo é grande a gama de propostas abrigadas no guarda-chuva da educação ambiental, para o interno, é comum projetos de empresas com SGA se fecharem na ecoeficiência, que busca "fazer mais com menos", diagnostica Berenice Glehen Adams, em sua monografia para o curso de Pedagogia Empresarial do Centro Universitário Feevale.

A pesquisa partiu de questionário, recebido por 86 empresas com ISO 14.000, certificação voluntária de sistemas de gestão ambiental. "Notei que, no universo pesquisado, predomina a falta de referenciais teóricos e do olhar crítico de um pedagogo, para aprimorar o processo" interpreta.

"Se a questão ambiental não se incorpora à vida da empresa, não interferirá nos valores e atitudes dos colaboradores", raciocina Nelton Friedrich, diretor de coordenação e meio ambiente da Itaipu Binacional, que emprega 1,5 mil profissionais no Brasil. Para ele, a educação ambiental é um processo contínuo, de conseqüências econômicas, espirituais, sociais, se focar a ética do cuidado.

Internamente, diz Friedrich, as ações de ecoeficiência - que motivaram, por exemplo, a troca de copos descartáveis pelos de vidro para reduzir a produção de lixo - são parte de um conjunto de atividades. Para o público externo, em 2003, a binacional assumiu a política de tornar sua gestão mais transparente e o compromisso de melhorar a qualidade de vida das comunidades com as quais se relaciona, e preservar a água, seu principal ativo ambiental, através do desenvolvimento regional sustentável.

Foi o que inspirou o "Cultivando Água Boa", megaprograma que reúne cerca de 70 projetos e subprojetos, desenvolvidos em 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná III. "Hoje, temos 1860 mil parceiros, que atuam como representações, não pessoas físicas. Oferecemos um terço dos recursos para os projetos. O resto vem deles", diz Friedriech.