Título: Comércio global de créditos de carbono deve ganhar adesões de peso
Autor: Bourscheit, Aldem
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Empresa & Comunidade, p. F3

Não é só a temperatura da Terra que deve subir nos próximos anos. Com o último alerta do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, sigla em inglês), os negócios globais ligados à compra e venda de créditos de carbono prometem movimentar bilhões para financiar a geração de energia e a produção mais limpas em países em desenvolvimento.

Para o carioca Pedro Moura Costa, presidente da EcoSecurities, líder mundial em desenvolvimento de projetos de créditos de carbono, o mercado ganhará peso com a entrada de novos setores. Segundo ele, poucas indústrias de exploração e refino de petróleo, de aviação, bancos e agências de serviços despertaram para as novas oportunidades de negócios. "Espero que essa onda chegue ao Brasil rapidamente, onde grande parte do empresariado não está se beneficiando com os créditos de carbono", disse o engenheiro florestal da sede da empresa, em Oxford (Inglaterra).

O comércio global de créditos de carbono já movimenta mais de US$ 10 bilhões por ano. Os projetos mais comuns envolvem a troca de óleo diesel ou carvão mineral por biomassa ou biodiesel para geração de energia, reflorestamento, captura de gás em aterros sanitários ou fazendas de suínos e a substituição do óleo diesel por biodiesel em caminhões, ônibus, tratores e outros veículos.

Como em qualquer mercado, a regra para abocanhar a melhor fatia é largar na frente. É o caso da Celulose Irani, de Vargem Bonita (SC), primeira empresa nacional e segunda no mundo a emitir e vender créditos de carbono no ramo de papel e celulose. A indústria investiu R$ 22 milhões e implantou uma usina que gera 7 MWh com resíduos de florestas plantadas.

Usando a matéria-prima fornecida por madeireiras da região, a empresa reduziu a conta de energia e deixou de queimar 700 toneladas mensais do poluente óleo combustível. A economia total passa dos R$ 6 milhões. O projeto, aprovado no âmbito do Tratado de Kyoto, recompensa a indústria pelas toneladas de carbono não lançadas na atmosfera, ajudando no combate ao aquecimento global.

Só nos últimos dois anos, os recursos obtidos com a venda dos créditos de carbono para a Shell passam dos R$ 3 milhões. O dinheiro foi investido na construção de uma nova Estação de Tratamento de Efluentes e na melhoria da produção. "Isso mostra que o país pode crescer com uma matriz produtiva e energética mais limpa", disse Odivan Carlos Cargnin, diretor administrativo e financeiro da Irani.

O preço dos créditos de carbono varia de acordo com a tecnologia utilizada para favorecer o meio ambiente. Um projeto altamente tecnológico para reduzir a emissão ou remover gases da atmosfera terá créditos mais valorizados do que um baseado em reflorestamento, método mais simples e barato. Atualmente, os projetos são fechados com créditos no valor de até ? 15.

As elevadas cifras envolvidas no mercado de créditos de carbono podem até assustar pequenos empresários, mas com criatividade é possível envolvê-los. Sem comercializar créditos, uma iniciativa desenvolvida desde 1998 na Ilha do Bananal, entre o Mato Grosso e o Tocantins, foi pioneira em associar redução de emissões ao desenvolvimento sustentável de comunidades locais.

Baseado em educação ambiental, manejo florestal e pesquisa científica, o chamado Carbono Social promoveu a elaboração de produtos como geléias, mel, óleo vegetal e cerâmica com um diferencial de mercado: a emissão reduzida de carbono. A estratégia é semelhante a usada em alimentos orgânicos. "Antes, os artesãos desmatavam e queimavam madeira nativa, mas agora estão usando casca e palha de arroz e emitindo menos carbono", explicou Luiz Eduardo Leal, coordenador de projetos do Instituto Ecológica.

O projeto surgiu a partir de uma pesquisa sobre árvores que mais absorvem carbono durante seu crescimento. Desde 2003, a experiência conta com a parceria do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). "Enquanto pesquisávamos, as comunidades desmatavam para usar a madeira em suas atividades diárias", disse Leal. "Daí surgiu a necessidade de envolvê-las. Se as pessoas não forem inseridas no trabalho contra o aquecimento global, os projetos de redução de emissões tendem a ser puramente comerciais e podem fracassar", completou.

Apesar do pioneirismo nacional em alguns setores do mercado de créditos de carbono, o país tem uma "desvantagem" devido a sua matriz energética relativamente limpa, com mais de 90% da geração em hidrelétricas. Isso resulta na emissão de menos carbono e gera menos créditos se comparado a países como China e Índia, onde predominam combustíveis poluentes como o carvão mineral. "O governo deveria ser mais engajado e apoiar empresas nacionais de ramos variados que querem entrar nesse mercado", disse Costa, da EcoSecurities.

Empresas interessadas em emitir e vender créditos de carbono normalmente buscam consultorias, já que o processo criado pelas Nações Unidas para o registro de projetos é muito complexo e os custos para se encaminhar iniciativas por conta própria são quase proibitivos - entre US$ 100 mil e US$ 500 mil, dependendo do tamanho.

Por enquanto, a conservação e o manejo de florestas não podem ser aprovados como projetos de comércio de carbono. Isso graças à chamada adicionalidade, uma das regras do Tratado de Kyoto. Segundo esse critério, um projeto precisa retirar carbono da atmosfera ou evitar o lançamento de gases estufa. (A.B.)