Título: Emissão zero ainda é caso raro", diz estudioso
Autor: Bourscheit, Aldem
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Empresa & Comunidade, p. F3

A onde de neutralizar emissões de carbono com projetos de reflorestamento é um modismo. Para torná-la um movimento que realmente contribua com o combate ao aquecimento global é necessário que as empresas por uma ampla estratégia para redução das emissões de gases estufa. A opinião é de Marcelo Theoto Rocha, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da ESALQ/USP, revisor dos inventários de emissões na Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima e membro do Grupo de Trabalho sobre Florestamento e Reflorestamento do Comitê Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Tratado de Kyoto.

Em entrevista ao Valor, o pesquisador afirmou que, embora não tenha metas fixadas de redução de emissões pelo tratado, o Brasil é um grande emissor devido ao desmatamento e às queimadas. "Porém, para atribuir responsabilidades, devemos analisar a contribuição histórica dos países desenvolvidos." Leia a seguir alguns trechos da entrevista:

Valor: Com os últimos números sobre o aquecimento global, como deve se comportar o mercado de carbono?

Rocha: Deverá crescer consideravelmente. Como está sendo provado, a solução para o aquecimento global exigirá maiores reduções na emissão de gases por parte de todos os países. Instrumentos de mercado devem ser utilizados para que se tenham custos menores, ou seja, para que as medidas tomadas sejam eficientes do ponto de vista econômico. O MDL deverá evoluir nesse sentido, mas não serão necessárias mudanças profundas. Será preciso atuar conjuntamente em duas frentes: adaptação e mitigação. Em ambos os casos será preciso mudar as atitudes, caso contrário, as mudanças climáticas serão ainda mais impactantes. As pesquisas científicas são um importante indutor desta mudança, porém não são suficientes. Vontade política por parte dos governantes, novos produtos e serviços financeiros também deverão servir como indutores dessas necessárias mudanças. O mercado de créditos de carbono é um instrumento importante para se reduzir os custos do cumprimento das metas do Tratado de Kyoto. Mas é importante salientar que, sozinho, o mercado não solucionará o problema do aquecimento global. Também serão necessárias leis que obriguem empresas a reduzirem suas emissões.

Valor: O mercado de créditos pode se transformar em um passe livre para que alguns países sigam poluindo?

Rocha: Nenhum país poderá cumprir suas metas junto ao Tratado de Kyoto apenas comprando créditos de carbono. Medidas domésticas também deverão ser tomadas. Além disso, muitos governos e empresas estão convencidos de que a transição para uma economia com baixa emissão de carbono é uma necessidade e também um bom negócio. Acredito também que o momento para iniciar tal transição é agora, se já não estamos atrasados.

Valor: O Brasil está preparado para competir por uma fatia maior do mercado de créditos de carbono?

Rocha: Acredito que o empresariado brasileiro tem condições de oferecer bons projetos ao mercado. Na verdade, já vem fazendo isso, basta observar a posição brasileira e também a credibilidade dos projetos nacionais. O governo, por sua vez, não tem atuado no mercado, limitando-se a criar o arcabouço legal para tais projetos. No momento, os melhores nichos para projetos são aterros sanitários, energia renovável e suinocultura. No futuro, projetos de energia renovável deverão prevalecer. Quanto a projetos de florestamento ou reflorestamento, o país tem grande potencial, mas ainda não o explora adequadamente.

Valor: Muitos segmentos têm alardeado emissão zero de carbono. Isso é realmente possível?

Rocha: Se entendermos emissões zero como a eliminação total do lançamento de gases estufa, são extremamente raros os casos onde isso é possível. O que pode ocorrer é a neutralização das emissões, ou seja, tentar compensar emissões com outros projetos, como o plantio de árvores. Mas estas iniciativas não são necessariamente projetos de MDL, pois muitas vezes não seguem as regras do Tratado de Kyoto. A neutralização de emissões com projetos de reflorestamento hoje é uma moda. Para transformar tal modismo em uma tendência séria e que realmente contribua para a mitigação do aquecimento global é necessário que as empresas optem por uma estratégia que envolva também a redução das emissões de gases estufa. A neutralização das emissões restantes deve ser feita por meio de um conjunto de projetos, não só de reflorestamento. Os projetos de reflorestamento, por sua vez, devem possuir o mínimo de monitoramento para que as compensações sejam efetivas. Caso contrário, será apenas uma jogada de marketing.

Valor: Como um cidadão comum deve agir frente ao aquecimento global?

Rocha: Mudando seu padrão de consumo. Alguns exemplos são usar o transporte público ao invés do automóvel, promover a reciclagem, ser mais eficiente no consumo de energia, não consumir desnecessariamente. Além disso, temos que cobrar dos nossos governantes e das empresas uma série de mudanças. Exigir leis, produtos e serviços que contribuam para a solução dos problemas ambientais está ao alcance de todos. Isto pode ser feito individualmente ou através de algum tipo de organização. Existem várias entidades trabalhando neste sentido. Envolver-se é uma opção.