Título: Uma nova cultura de negócios
Autor: Faleiros, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Empresa & Comunidade, p. F2

Embora seja possível detectar indícios do conceito de "responsabilidade social empresarial" desde o século 19, o ponto de partida para o atual debate a respeito do papel social das empresas começou com o fim da II Guerra Mundial para ganhar seus contornos definitivos nos anos 60 do século passado. Os movimentos sociais organizados, independentemente de partidos e/ou sindicatos, trouxeram para a cena novos atores que fizeram (e fazem) pressão sobre as empresas a respeito de uma série de temas agregados no conceito de "cidadania". Esses movimentos passaram a lutar por direitos até então ausentes das pautas de reivindicações sociais. Eqüidade de gênero e raça, qualidade de vida, preservação ambiental e muitos outros assuntos tiveram que integrar o rol de demandas com as quais uma empresa precisa lidar para continuar no mercado. E, embora as décadas de 80 e 90 passem para a história como aquelas da supremacia do mercado, foi nesse período que o movimento da responsabilidade social espalhou-se pelo mundo, pondo em cheque a globalização como universalização de capitais especulativos e apontando para uma nova maneira de fazer negócios, tornando as empresas parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa.

Aliar os lucros aos acionistas com desenvolvimento ao exercício da cidadania e à preservação ambiental é um modelo de gestão que vai progressivamente se impondo às empresas de todos os setores, portes ou atividades. Adotar a gestão socialmente responsável e sustentável já é uma exigência do mercado, bem como uma prerrogativa para o lucro, porque é garantia de longevidade do negócio.

No Brasil, o movimento ganhou força a partir do final dos anos 90 e vem mudando de fato o papel das empresas na sociedade. Com base nos princípios e valores da gestão socialmente responsável, as empresas que atuam no país vêm se constituindo nos verdadeiros agentes da transformação social, contribuindo decisivamente para a potencialização das habilidades e competências dos atores sociais no sentido do desenvolvimento sustentável. Por isso, aqui no Brasil, a gestão empresarial socialmente responsável está diante de uma perspectiva mais complexa, pois vem se configurando como instância renovadora sem precedentes.

Adotando uma nova maneira de estabelecer prioridades e metas - o diálogo com as partes interessadas -, aspectos como igualdade de oportunidades, cuidados ambientais, capacitação de fornecedores, apoio a comunidades do entorno e muitos outros passam a ser tratados de maneira sistêmica, ou seja, integrada em uma linha ética cujos princípios são aceitos em nível mundial.

Como parte desse processo, é indispensável reestruturar não só o planejamento estratégico, como a Missão e Visão empresariais, incorporando em todas as etapas o compromisso com a responsabilidade social e ambiental. Além disso, os resultados das ações desta nova ética de negócios devem ser comunicados à sociedade, assegurando a transparência da atuação empresarial.

A credibilidade e a legitimidade de uma empresa passa a ser, então, o resultado da capacidade de responder às demandas da sociedade, tanto no que concerne ao seu comportamento socioeompresarial, quanto na implementação e comunicação de suas políticas. Esse processo, portanto, implica a criação de balanços sociais e relatórios de sustentabilidade, que dêem visibilidade aos impactos causados pela atividade num dado espaço geográfico e temporal. Além de prestar contas à sociedade, essas avaliações sistemáticas são instrumentos de gestão que facilitam a observação de possíveis vulnerabilidades e oportunidades no macroambiente da empresa, contribuindo para o aprimoramento da organização.

Novos princípios, transparência, diálogo constante com diversos públicos - estes e outros fatores exigem um novo paradigma de gestão e um novo tipo de liderança - que saiba antecipar tendências e dialogar com as partes interessadas constantemente. Poderíamos chamá-la de liderança socialmente responsável. Ela ainda não existe de fato, uma vez que as escolas de administração ainda não sabem como formá-la. A própria teoria clássica da administração também não sabe como tratar os temas postos em pauta pelo advento desse novo paradigma. Pelo raciocínio cartesiano até agora vigente, as empresas possuem passivos e ativos e estarão bem se os ativos forem maiores que os passivos. Não faz parte deste arcabouço teórico contabilizar os ativos e passivos ocultos, como ganhos ou perdas com imagem por conta de ações socialmente (ir)responsáveis.

Chegamos, então, ao cerne da gestão no século 21: como fazer a transição de um paradigma cartesiano para outro sistêmico e holístico, mudando a maneira de agir dos líderes a partir da sua formação escolar?

Ainda não existe um exemplo, no mundo, que tenha esta abrangência. Mas existem alguns projetos em andamento apontando para uma mudança consistente de mentalidade, com a decisiva participação de empresas brasileiras. Um deles é o Grupo de Trabalho da ISO 26000, a norma que vai estabelecer diretrizes internacionais para orientar a gestão nas empresas socialmente responsáveis. A construção dessas diretrizes vem ocorrendo de maneira democrática, com a participação de representantes dos diversos segmentos da sociedade civil organizada de vários países do mundo. O Instituto Ethos é o coordenador do GT Brasil para a ISO 26000, que conta com o patrocínio de 17 empresas e a participação de mais outras cinqüenta. Unimed, Construtora Takaoka, Suzano e Petrobras estão entre os patrocinadores e participantes.

A preocupação com a ampliação de uma nova consciência empresarial está presente também em outros projetos do Instituto Ethos, como o Programa Tear, implementado em parceria com o BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, que visa disseminar o conhecimento sobre o conceito de responsabilidade social empresarial e ampliar as oportunidades de mercado das Pequenas e Médias Empresas (PMEs) em até três anos. Para atingir este objetivo, o Programa Tear vai incentivar a adoção da gestão socialmente responsável nas PMEs que atuem na cadeia de valor de empresas estratégicas em sete setores da economia: petróleo e gás; energia elétrica; varejo; construção civil; mineração; siderurgia; e açúcar e álcool. Em cada um destes segmentos, foi identificada uma "empresa-âncora", com experiências avançadas em responsabilidade social empresarial, que seleciona 15 PMEs da sua cadeia de valor, e com as quais se compromete a trabalhar para a incorporação / ampliação da gestão socialmente responsável nos processos internos destas PMEs e no relacionamento entre as partes. Como instrumento de avaliação e monitoramento dos progressos, as empresas participantes vão responder os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial. São elas: Petrobras, CPFL , Takaoka / Gafisa e Camargo Corrêa, Belgo/Arcelor, Vale do Rio Doce, Grupo Pão de Açúcar e Usina Vale do Rosário.

Para finalizar, gostaria de ressaltar que houve um tempo em que se acreditava que a finalidade da empresa era garantir a sua própria sobrevivência, como se ela não pertencesse à mesma sociedade que recebe os impactos (negativos e positivos) dos processos, produtos e serviços que gera. Este tempo passou. Com as crescentes demandas dos cidadãos, mais organizados e informados, as empresas vêm buscando uma outra maneira de fazer negócios, reconhecendo que há múltiplas partes interessadas além dos acionistas. Para dar conta deste novo cenário, a empresa necessita de uma gestão solidamente ancorada em princípios e práticas que, ao produzirem sólida reputação e inteligência empresarial, conduzirão a oportunidades de negócio e a uma competitividade poucas vezes experimentada. Uma outra cultura de negócios vai nascer a partir do desenvolvimento dessas habilidades.

Ricardo Young é presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social