Título: Inflação altera cardápio
Autor: Freitas, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 23/11/2010, Economia, p. 13

Preços de frutas e legumes disparam enquanto carne bovina se torna inacessível, obrigando brasileiro a mudar dieta alimentar

Especial para o Correio

O aumento da carne, do açúcar, das frutas e dos legumes, semanas antes do Natal e do ano-novo, começa a preocupar a população brasileira e os analistas com a ameaça da volta do fantasma da inflação. As altas são causadas por problemas climáticos e pela alta das commodities (produtos básicos negociados em bolsas de mercadorias) agrícolas no mercado internacional.

Há 15 dias, o policial civil Jailton Ferreira, 34 anos, deixou de comprar maracujá para a mulher dele preparar a sobremesa predileta em sua casa. A culinária familiar está sofrendo porque o quilo da fruta subiu de R$ 2,90 para R$ 4,99, um aumento de cerca de 72%. ¿Esse preço está impraticável. Só volto a comprar quando diminuir¿, disse o policial. A dona de casa Isabel de Souza Casimiro, 44 anos, reduziu o número de maçãs que comprava semanalmente para as filhas, por causa do preço. O quilo da maçã passou de R$ 3,50 a R$ 4,79, um aumento de 36%. Em alguns supermercados, o quilo da maçã custa R$ 5,99.

¿As meninas não param de reclamar; tive que diminuir a quantidade porque o orçamento fica apertado¿, lamentou a dona de casa. A dentista Erany Almeida Doudement Laje, 46 anos, foi outra que reduziu pela metade o consumo de frutas e legumes.

Assustada com a disparada de preços, a dentista reclama. ¿O quilo do tomate aumentou de R$ 2,20 para R$ 4,00. Em geral, todas as frutas e os legumes estão mais caros.¿ A funcionária pública Dulci Maria Rodrigues da Silva, 35 anos, preocupa-se porque faz uma dieta rica em frutas. Ainda não precisei diminuir a quantidade que compro, mas espero que não aumente mais¿, comentou.

Igualmente, o presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Fruticultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Moacyr Saraiva Neto, avaliou que a disparada dos preços é consequência do período de entressafra das frutas. ¿Não existe uma tendência permanente de elevação do custo dos produtos. A partir dos primeiros meses de 2011, a situação será normalizada. A produção de maçã nesse período do ano é quase zero. O mesmo vale para as outras frutas¿, destacou.

Disparada Há produtos cuja alta tem consequências ainda mais graves do que a dos preços dos hortifrutigranjeiros. Nos casos do açúcar e da carne bovina, por exemplo, o mercado interno começa a ter dificuldades para comprar, devido à elevação no preço causada pelas cotações internacionais. ¿Isso reflete o jogo de oferta e procura, causado pela chuva, agora, ou pela seca, em outro momento. É um mercado volátil que obedece os ciclos dos produtos. Esses são movimentos reversíveis¿, disse o economista-chefe da Maxima Asset Management, Elson Telles.

Sensíveis aos movimentos do câmbio e às cotações internacionais, os preços do açúcar e da carne bovina estão associados ao câmbio e ao mercado internacional, onde as compras da China impulsionaram vendas e as ações de especuladores determinaram aumento de preços, retirando do mercado interno produtos que antes eram acessíveis ao consumidor brasileiro.

¿O governo não está confortável com as intervenções que promove para conter a alta de preços por meio do câmbio, porque o câmbio tem limites para não afetar as exportações. Quando o dólar atinge R$ 1,70 ou R$ 1,65, o preço das commodities sobe, mas a indústria é abalada e reclama¿, afirmou Telles.

O gerente comercial de um supermercado na Asa Norte disse que os preços de frutas, legumes e verduras aumentaram por causa das chuvas que provocaram quebra de safras e redução da oferta de produtos. Em relação à maçã, o gerente informou que os produtores brasileiros estão negociando com a Argentina por causa do câmbio favorável.

A alta nos preços do feijão no momento se deve à especulação porque, nesta semana, os preços no atacado despencaram. O analista de mercado da Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab), João Ruas, disse que foram oferecidos em leilão 30 mil toneladas do produto, com preço de abertura de R$ 64, mas as vendas foram um fracasso. Agora a Conab vai leiloar outro lote, com preço de abertura de R$ 50, para limpar o estoque. ¿O mercado neste momento está mais preocupado em comprar artigos de Natal, além disso está abastecido de feijão. O varejo comprou na alta para especular e agora mantém os preços altos¿, afirmou.

Deficit de US$ 663 milhões Rosana Hessel

A balança comercial já sofre o impacto do aumento de importações como as de veículos e de eletroeletrônicos ¿ especialmente agora, às vésperas do Natal. Os dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), de deficit de US$ 663 milhões na terceira semana de novembro, confirmam a tendência do avanço das compras de importados pelos brasileiros. Esses produtos estão cada vez mais competitivos no mercado interno, diante da queda do dólar frente ao real e, com isso, marcaram o primeiro saldo negativo do ano desde janeiro, quando o deficit ficou em US$ 177 milhões.

As expectativas dos comerciantes são de que 2010 terá o melhor Natal dos últimos dez anos, mas a indústria não tem muito o que festejar, pois vê o deficit de produtos manufaturados aumentar. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) fez um levantamento recente com base na balança comercial brasileira e prevê um deficit de US$ 73,5 bilhões neste ano. Esse volume é praticamente o dobro do deficit de 2009, de US$ 35,6 bilhões. A China, sozinha, representará um terço desse resultado, conforme as projeções da entidade.

¿O produto manufaturado nacional perde cada vez mais competitividade. Isso porque o país, apesar de estar em evidência na economia global, não fez as reformas necessárias (a Tributária, a Trabalhista e a Previdenciária) e isso poderá comprometer o crescimento do país nos próximos anos¿, afirma o presidente do conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio), Mário Marconini. ¿O novo governo terá um grande desafio pela frente e não sei se terá as condições e a popularidade do atual para fazer as reformas necessárias e assim garantir um crescimento sustentável nos próximos anos. O superavit da balança ainda é devido às exportações das commodities agrícolas e de minérios¿, acrescenta Marconini.

Custos Os custos brasileiros tanto de produção quanto de mão de obra impedem uma melhor competitividade do produto brasileiro com o chinês, destaca Marconini. Empresários estrangeiros se assustam quando chegam ao país e são obrigados a ter um departamento tributário ou fiscal até cinco vezes maior do que em suas matrizes devido à complexidade dos impostos brasileiros. ¿A carga tributária e a burocracia são fatores prejudiciais à competitividade da indústria nacional. Agora, o cenário é cada vez mais preocupante, pois a economia brasileira avançou mais devido à crise no resto do mundo do que por méritos próprios e também porque o país não conseguiu fazer as reformas necessárias para garantir uma continuidade do crescimento¿, completa.

De acordo com dados do Mdic, até a terceira semana de novembro, as exportações somaram US$ 12,108 bilhões e as importações, US$ 11,446 bilhões. No ano, as exportações somaram US$ 175,417 bilhões e as importações, US$ 160,134 bilhões. Os itens que tiveram mais aumento nas importações em relação a 2009 foram: aeronaves e peças (135,9%), alumínio (117%) e cobre (116,3%). As importações de veículos tiveram um avanço de 36,5% no ano, mas algumas marcas registraram aumentos bem acima dessa média. É o caso da alemã BMW, que deve encerrar 2010 com um salto de 70% nas vendas do Mini, para 1,7 mil unidades.

Pessimismo na indústria » A enxurrada de importações que invade o país tem desanimado os empresários brasileiros. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) recuou 0,8 ponto em novembro e atingiu 62 pontos. Desde o início do ano, o indicador caiu mais de 6 pontos, o que demonstra que, apesar do relativo otimismo (o Icei ainda continua acima da média histórica de 59,6 pontos), o futuro é uma preocupação para as companhias brasileiras. A pesquisa da CNI mostra ainda que a confiança dos entrevistados é menor tanto quando avaliam a situação atual da empresa e da economia nacional quando ao analisam os meses à frente. No primeiro caso (a situação atual), o recorte caiu de 56,8 para 55,9 pontos, enquanto no segundo (as expectativas) o otimismo recuou de 65,9 para 65,1 pontos.