Título: Diálogo de mudos
Autor: Cavalcanti, Carlos A.
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2012, Opinião, p. A16

O estilo Dilma bate recordes sucessivos de aprovação. O pouco que escapa do Planalto revela uma mulher introspectiva, dedicada ao serviço público, autoritária com seus assessores, demolidora de projetos mal concebidos. É raro vê-la em meio à população distribuindo cumprimentos. Dilma é econômica em discursos; sua agenda minimiza contato com políticos e despreza teses de corporação. Tem-se que julga irritantes, e mera perda de tempo, encontros com lobistas e sua cantilena de agruras.

Como todos governos na história nunca sabem tudo que fazer antes de começar e, menos ainda, têm respostas prontas para desafios inesperados, assume-se uma curiosidade: quem, ou o quê, faz a cabeça de Dilma Rousseff?

No início de 2011, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) concluiu estudo sobre as concessões do setor elétrico que se extinguem a partir de 2015, e lançou a campanha "Energia a Preço Justo". A Fiesp revelou que o custo médio de produção de uma unidade de energia, o MW/h, das usinas hidrelétricas do país, é R$ 6,80. Contudo, as geradoras não excluem o valor da construção dos ativos dos seus preços, mesmo depois de quitados pelos consumidores, elevando-os a R$ 90,00 por MW/h. Excluindo-se o valor do investimento, acrescentando-se impostos, encargos e margem, o preço deveria ser R$ 21,00 por MW/h. Essa distorção empresarial na prestação de serviço público turbina a tarifa final do brasileiro para absurdos R$ 380,00 por MW/h, médios; a quarta maior do mundo.

O custo médio de produção de uma unidade de energia, o MW/h, das hidrelétricas do país é R$ 6,80

A Fiesp indicou uma economia de quase R$ 1 trilhão, em 3 décadas, se a concessão das usinas e os contratos de transmissão e distribuição fossem a leilão; uma redução média de 20% da tarifa.

Dilma anunciou, em setembro último, desconto médio de 20,2% na tarifa de energia, combinando 13,2% de exclusão da amortização e 7% de eliminação de encargos. Reduziu o preço da energia das usinas amortizadas para R$ 30,00 por MW/h, e a receita de transmissão em 66%. Se todas as concessionárias aderirem ao seu modelo, deixarão no bolso dos brasileiros, a partir de 2013, mais de R$ 24 bilhões ao ano, ou R$ 720 bilhões em 30 anos. Ponto para o Brasil.

A realidade da infraestrutura de transportes não é menos absurda. A Fiesp insiste, desde maio de 2011, na necessidade de o Brasil adotar o planejamento logístico de longo prazo, que articule sua expansão, dispersa em diversos ministérios e agências que se ocupam dos diferentes modais. Planos de investimento em portos e aeroportos não se articulam aos projetos de rodovias, ferrovias e hidrovias. A Fiesp tem sido especialmente ácida na crítica aos investimentos contratados no modelo de obra pública. Com o histórico de corrupção entre empresas e agentes públicos, o preço final da obra é sempre muito maior que seu orçamento.

Temos apontado que o papel do governo é planejar, regular e fiscalizar a prestação do serviço público. E o papel do setor privado investir, comprometendo-se com orçamento da obra, e exercer a gestão; tarefas para as quais está muito mais preparado.

Em agosto de 2012, Dilma criou a Empresa de Planejamento e Logística, que implantará sistema de previsão, racional e coordenada, da expansão da infraestrutura de transportes. Ainda anunciou a expansão e duplicação de 7,5 mil km de rodovias, por meio de concessões ao setor privado; e introduziu aperfeiçoamento regulatório ao subordinar o início da cobrança de pedágio à execução de 10% do investimento estabelecido no contrato. Ponto para o Brasil.

Em ferrovias, Dilma formulou mudanças importantes. Adotou o modelo de PPP na expansão de 10 mil km. O investimento em construção será de responsabilidade do setor privado, bem como a operação e comercialização do tráfego, submetido ao regime de ampla concorrência. Ao governo caberá o papel de garantidor da demanda. Os concessionários atuais negociarão sua adesão ao novo modelo; reduções de 25% até 50% do valor dos fretes hoje praticados foram arbitradas pela agência reguladora. Ponto para o Brasil.

A Fiesp advoga que os aeroportos e portos sejam cedidos à gestão do setor privado. Entretanto, é preciso corrigir o erro da primeira rodada de leilões dos aeroportos, que arrecadou R$ 24 bilhões de ágio destinados a mais um fundo público, iguais àqueles que nunca são aplicados no fim para o qual foram criados. O critério da menor tarifa desonera o consumidor; e mais, permite acelerar os investimentos dos concessionários. Deve-se promover concorrência entre os terminais portuários, que reduza preços, por expor as concessões vencidas e vincendas aos leilões de licitação. Sobre esses temas o governo ainda não anunciou sua posição. O Brasil vai marcar mais um ponto?

Essa nova concepção do governo na gestão da infraestrutura, comum a Dilma e à Fiesp, foi precedida por inflexões na política econômica, também indicadas pela Fiesp. Há dois anos, denunciamos o processo de desindustrialização a que o Brasil estava submetido. Dilma estabeleceu proteção à taxa de câmbio; promoveu mudança pacífica na remuneração da poupança, que permitiu a redução da taxa primária de juros, e então, dos juros dos bancos públicos. Assim, pressiona a redução dos spreads da rede privada, nos empréstimos e nos cartões de crédito. Ponto para o Brasil.

Todas essas são políticas que convertem recursos criados pela desoneração do serviço da dívida pública em reduções tributárias e no preço dos serviços públicos. Dilma age para reverter a perda de competitividade e a desindustrialização do país.

Entidades ciosas apenas dos rapapés cerimoniais do Planalto verbalizam frase única em seu diálogo com o governo: sim senhora. De tanto repeti-la, foram reduzidas ao papel de claque. Paulo Skaf percebeu que Dilma respeita, e ouve, os que formulam políticas públicas consistentes e abrangentes. Dilma e a Fiesp mantém diálogo teso e constante. Embora dispensem um ao outro, a maior parte do tempo, a silenciosa linguagem dos sinais.