Título: O CNJ e a informação sobre o Judiciário
Autor: Cunha, Luciana Gross
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Desde sua instalação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela reforma do Judiciário em 2004, vem contribuindo para a discussão e implementação de medidas que tornam as instituições do sistema de justiça mais eficientes e acessíveis. Foi assim com a definição dos tetos salariais dos integrantes da magistratura, foi assim com as louváveis medidas contra o nepotismo nos tribunais e nas demais instituições da Justiça.

O levantamento e a publicação das estatísticas relativas às atividades dos tribunais por meio do sistema de estatística do Poder Judiciário, o qual obriga todos os tribunais dos Estados e da Justiça Federal a enviar dados sobre suas atividades, foi outra importante medida assumida pelo CNJ a fim de diagnosticar as atividades dessas instituições, tornando-as mais transparentes e verificáveis para, a partir daí, fazer recomendações com o intuito de aprimorar a prestação jurisdicional do Estado.

A determinação de que as promoções por merecimento dos juízes para ingresso nos tribunais devem ocorrer em sessões públicas, com votos nominais, abertos e fundamentados é mais um exemplo da contribuição do CNJ para, valorizando a magistratura, garantir o cumprimento do devido processo legal.

Além dessas importantes medidas o CNJ tem se envolvido em iniciativas importantes, tais como o projeto "Justiça Virtual" e o projeto de acompanhamento de penas alternativas. O mais recente projeto lançado pelo CNJ é o "Movimento pela Conciliação", que tem como objetivo a busca do acordo entre as partes antes da aceitação de um caso pelo juiz ou mesmo antes da promulgação da sentença. O documento que fundamenta esse projeto é capaz de instrumentalizar os tribunais de todo o país para a implementação da política que prioriza a conciliação.

Mais uma vez a ação do CNJ é exemplar no sentido de tornar o sistema de justiça brasileiro mais eficiente e eficaz. Eficiente porque a conciliação pode ser um meio para baixar as taxas de congestionamento dos tribunais brasileiros. Essas taxas são medidas a partir da relação entre o número de sentenças que extinguem os casos e a soma do número de casos novos com os casos pendentes de decisão no período anterior. Por meio da conciliação, antes da entrada do caso no sistema ou mesmo antes da sentença é possível diminuir o número de casos novos e de casos pendentes no sistema. Eficaz porque, além de ser uma solução do conflito em menor tempo, já que não mais é necessário esperar até o trâmite final do processo, é também uma solução construída a partir do envolvimento das partes e, portanto, vantajosa para elas - e por isso mais fácil de ser cumprida.

Esses resultados podem ser verificados a partir dos números sobre o funcionamento da primeira vara de conciliação em funcionamento no país: instalada em agosto de 2005 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP), a vara de conciliação e mediação de conflitos nas áreas cível e de família registrou no seu primeiro ano de funcionamento três mil acordos, o que corresponde a 72% do total de casos que entraram no sistema.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso repensar os critérios adotados para determinar os índices de produtividade e de performance dos juízes --------------------------------------------------------------------------------

Esse êxito do tribunal em solucionar os conflitos de forma mais eficiente e eficaz corre o risco, porém, a partir de agora, de não ser mais identificado pela sociedade ou pelos tribunais para a gestão de suas atividades. Apesar de todos esses movimentos com o objetivo de melhorar a administração da Justiça brasileira e da sua prestação jurisdicional, o CNJ, no dia 10 de outubro, prestou um desserviço à transparência das atividades destas instituições: o plenário do conselho decidiu recomendar aos tribunais que cada acordo obtido por meio de uma ação de conciliação seja computado como uma sentença.

A justificativa para a tomada dessa decisão é a de que os juízes de primeiro grau não teriam nenhuma motivação para a promoção da conciliação, pois o número de acordos homologados, não sendo contados como sentença, não influencia o índice de produtividade desses juízes que, por sua vez, é medido a partir do número de sentenças registradas.

Caso essa recomendação seja adotada pelos tribunais da Justiça comum e da Justiça especializada em todo o país, não será mais possível verificar a efetividade da conciliação como forma de solucionar conflitos no Judiciário brasileiro, identificar em que áreas os acordos vêm sendo produzidos pelos juízes, que tipo de conflito é possível solucionar por meio da conciliação ou mesmo se são necessárias ou não políticas de promoção da conciliação, de implementação de novas varas de conciliação e de treinamento dos operadores de direitos para cumprir essas função.

Nesse sentido, é preciso repensar os critérios adotados para determinar os índices de produtividade e de performance dos juízes e tribunais a fim de que eles sejam capazes de mostrar quais são as atividades desses operadores de direito e de que forma elas são executadas.

Não se pode negar a relevância da construção de diagnósticos das instituições do sistema de justiça brasileiro. Ainda se sabe muito pouco sobre o seu funcionamento e sobre suas atividades. Porém, o objetivo desses diagnósticos não pode ser simplesmente o de punir os magistrados ou operadores de justiça a partir de taxas de produtividade. Esses diagnósticos servem muito mais para identificar êxitos, gargalos ou pontos de ineficiência do sistema na prestação jurisdicional para, a partir daí, replicá-los ou implementar melhorias nesses serviços.

Os índices de produtividade devem servir para a elaboração de diagnósticos e não para esconder as atividades desempenhadas pelos tribunais. É preciso reformular o índice de produtividade ou a taxa de congestionamento e não simplesmente fazer desaparecer um dado importante sobre a atividade jurisdicional que os tribunais brasileiros vêm implementando, com êxito.

Luciana Gross Cunha é doutora em ciência política e professora da Direito GV

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