Título: A seguir, cenas da união da TV com a web
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Empresas, p. B2

Os manda-chuvas da indústria da televisão vêm acompanhando com nervosismo dois escandinavos que têm a reputação de provocar confusões. Nos últimos anos, o sueco Niklas Zennström e o dinamarquês Janus Friis abalaram a indústria da música com a invenção do KaZaA, programa de compartilhamento de arquivos "peer-to-peer" (P2P, ou par-a-par) amplamente usado por internautas do mundo todo para baixar música da internet sem pagar por ela.

Depois, assustaram a poderosa indústria das telecomunicações ao inventar o Skype, outro programa P2P, que permite aos usuários da internet fazer ligações telefônicas grátis entre computadores, e chamadas muito baratas para telefones comuns. (A dupla vendeu o Skype para o eBay, o gigante dos leilões pela internet, por US$ 2,6 bilhões em 2005).

O passo seguinte da dupla foi fundar outra companhia - dessa vez uma que ameaçou devastar a indústria da televisão.

Mas ela acabará fazendo o oposto. O novo serviço, chamado de Joost e que se encontra em fase avançada de testes, é baseado num software P2P que roda nos computadores pessoais, assim como o Skype e o KaZaA. E ele promete transformar a experiência de assistir à televisão ao combinar aquilo de que as pessoas gostam na velha TV com as possibilidades da internet.

Mas Fredrik de Wahl, um sueco que Zennström e Friis contrataram para comandar o Joost, afirma que diferentemente do KaZaA e do Skype, o Joost não provocará uma "ruptura" no setor em que está entrando.

O executivo diz que em vez de passar uma rasteira nas redes de TV e produtores, o Joost poderá dar novo fôlego a elas. Isso porque Wahl e sua equipe no Joost, que estão trabalhando principalmente na Holanda, ignoraram corajosamente os símbolos do boom do vídeo na internet.

O principal dos modelos é aquele que permite aos usuários transferir os arquivos que quiserem para o servidor de um serviço de vídeos - o que pode incluir clipes deles próprios fazendo coisas esquisitas ou, o que é mais questionável, vídeos pirateados de outras fontes.

O exemplo mais festejado dessa abordagem é o YouTube, hoje parte do Google, o líder dos mecanismos de busca na internet. Seu grande problema, porém, é que ele pode ser ilegal (se os direitos autorais forem violados) e muito difícil de ser transformado em um negócio.

Em 2 de fevereiro, a Viacom, gigante americana da mídia, tornou-se a mais nova companhia a exigir que o YouTube remova de sua página clipes que violam os direitos autorais.

O YouTube firmou acordos com algumas empresas de mídia, incluindo a NBC e a CBS, que permitem que o material destas apareça em seu site, e vem tentando fechar um acordo parecido com a Viacom. Muitos observadores classificam a decisão da Viacom de uma tática de negociação. Mas se o YouTube conseguirá ou não fazer dinheiro ainda não se sabe.

No mês passado, Chad Hurley, o diretor-presidente do YouTube, esboçou planos para a geração de receitas publicitárias que prevêem a divisão dessas receitas com os provedores de conteúdo, mas até agora a companhia não disse nada a respeito.

O Joost também está ignorando os dois modelos de negócios vistos como alternativas mais respeitáveis à publicidade. Um deles é fazer os usuários pagarem pelos programas de TV ou filmes que eles baixam, e deixar que fiquem com esse conteúdo. Essa é a conduta escolhida pela Apple, a companhia de produtos eletrônicos que vende vídeos por meio da loja virtual iTunes; pela Amazon, o maior grupo varejista on-line do mundo; e pelo Wal-Mart, o maior grupo varejista tradicional, que lançou um serviço de download de vídeos há cerca de duas semanas.

A outra abordagem, conhecida como "streaming", é permitir que os usuários assinem um serviço que dê acesso a um cardápio de vídeos e possam assistir a eles sem manter uma cópia permanente em seu computador.

Essa é a modalidade adotada, por exemplo, pela Netflix, uma companhia da Califórnia, nos Estados Unidos, que entrega DVDs para seus clientes pelo correio, mas que agora também oferece "streaming".

De Wahl afirma que o motivo que está levando o Joost a ignorar todos esses métodos é que nenhum deles tem muito a ver com a experiência de simplesmente assistir à televisão, que a maioria das pessoas aprecia.

Ele observa que, diferentemente das abordagens do download e do "streaming", "a TV não diz respeito a comprar hoje aquilo a que você vai querer assistir amanhã, diz respeito a ligar e assistir". E em contraste com o contexto de assistir "sorrateiramente" a um vídeo do YouTube na mesa de trabalho enquanto o chefe deu uma saidinha, a televisão é uma experiência mais relaxante.

Daí a inovação mais chocante do Joost, que não é mudar as práticas que a TV adotou décadas atrás. Ele será grátis, com intervalos publicitários - não mais do que três minutos por hora - antes, durante ou depois de um programa, dependendo do mercado. Os americanos, afirma de Wahl, são mais tolerantes às interrupções.

O Joost possui canais, como a televisão comum, mas esses são na verdade listas de vídeos que começam sempre que for conveniente para o "telespectador". Os telespectadores podem importar suas listas de amigos em programas de mensagens instantâneas e conversar on-line com eles enquanto todos assistem ao mesmo programa.

Para os anunciantes, tal engajamento tem algum valor, já que a atividade mostra que alguém está assistindo, em vez de dormir ou estar fora da sala. Junto com outras informações, como o endereço de protocolo da internet (IP) dos computadores, e daí suas localizações, os anunciantes poderão direcionar mais eficientemente seus comerciais - todos os fãs da série "Desperate Housewives" existentes em um bairro, por exemplo - e assim deverão pagar um ágio por isso.

No entanto, o que está faltando nessa nova visão da TV é o próprio aparelho. Transmitir vídeo de um computador para um televisor é possível: a Apple e outras companhias começam a vender os equipamentos necessários. Mas enquanto não ficar mais fácil conectar os televisores à internet, as grandes companhias de mídia provavelmente vão adotar a postura do "esperar para ver", antes de se comprometer com o Joost, afirma Jeremy Allaire, o presidente da Brightcove, uma companhia concorrente no setor de vídeos pela internet, com sede no Estado americano de Massachusetts.

Por enquanto, Allaire acredita que as empresas de mídia estão interessadas principalmente em construir suas próprias marcas, de modo que a Brightcove fornece aos provedores de conteúdo tecnologia para transmissões de TV em seus próprios sites, monitoração de audiência e coleta de receita publicitária.

Em resumo, não existe um consenso sobre a melhor maneira de combinar a televisão com a internet. Há, sim, uma variedade de experiências, da qual o Joost é o exemplo mais recente e o YouTube, o mais conhecido. Mas, assim como na telefonia, a internet está separando o serviço de entrega do controle da rede. Joost, YouTube, iTunes e Netflix não precisam de redes próprias para prestar seus serviços de vídeo: eles podem pegar carona nos links rápidos da internet fornecidos por terceiros.

Segundo a iSuppli, uma companhia de pesquisas de mercado, os downloads pela internet vão ficar com mais de um terço do mercado de vídeo sob demanda até 2010. Portanto, assim como a telefonia pela internet tem sido ruim para as companhias telefônicas tradicionais, esse "caminho alternativo" poderá ser ruim para os serviços de vídeo sob demanda que estão sendo oferecidos pelas operadoras de TV a cabo e de telecomunicações por meio de suas redes.

Porém, ao levar a televisão para mais telas em um número maior de contextos sociais, tudo isso poderá fornecer novos modelos para os produtores de conteúdo financiarem seus negócios e oferecerem aos anunciantes novas maneiras de alcançar os consumidores.

E, assim, o Joost e serviços concorrentes poderão acabar rejuvenescendo essa mídia criada há 75 anos.