Título: Cenário difícil para algodão na Índia
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Agronegócios, p. B11

O algodão dos campos dos arredores de Wardha chega lentamente à cidade, amarrado em carros de boi. Os chifres dos animais são pintados em cores tão brilhantes quanto as da carroça que puxam. A carga é deixada em frente à fábrica de beneficiamento, onde as sementes são separadas das fibras. São formadas pilhas de puro branco, que lembram as paisagens nevadas das estações suíças de esqui.

Apenas um em cada 12 agricultores indianos ouviu falar na Organização Mundial do Comércio (OMC). E os produtores de algodão de Vidarbha - no noroeste de Maharashtra, onde fica Wardha - certamente estão entre os outros 11. Mas as autoridades de comércio, mesmo as que estão nos mais altos escalões, já ouviram falar dos cotonicultores do centro algodoeiro da Índia. Nos últimos 18 meses, mais de 1,2 mil deles tiraram suas próprias vidas para escapar das dívidas com os credores.

Esses produtores tornaram-se o exemplo mais tocante da "crise agrária" indiana, fundamental para a derrota do governo anterior nas eleições de 2004. E também explicam a temerosa posição do país na Rodada Doha. A Índia encabeça um grupo de mais de 40 países pobres que defende a proteção de seus agricultores contra a concorrência estrangeira. No ano passado, a organização beneficente Oxfam divulgou estudo sustentando que os apuros dos agricultores pioraram com sua "integração forçada e indiscriminada" a um "sistema global injusto".

Os suicídios em Vidarbha têm muitas causas, a maioria delas criada a partir de características locais, diz M.S. Swaminathan, pai da revolução verde indiana. Os agricultores tomaram empréstimos com taxas punitivas para poder cavar poços e comprar sementes transgênicas de algodão. Os preços do diesel para as bombas de água, no entanto, dispararam, e as sementes mostraram-se pouco adequadas para pequenas plantações, regadas em sua maior parte apenas pela chuva. Se a colheita fracassa, afirma Swaminathan, "um homem perde a esperança [...] Ele tem o credor esperando na porta todos os dias, insultando-o".

Nada disso é culpa da globalização. Mas os cotonicultores do pólo da Índia também são afetados pelo baixo preço internacional do produto, que caiu mais de 30% desde 1994. E na safra passada o governo estadual baixou o preço garantido que paga de 2.000 para 1.750 rúpias por 100 quilos de algodão.

Em parte, os preços estão baixos porque o algodão tem subsídios pesados em países ricos, sobretudo nos EUA. Doha almeja reduzi-los ambiciosa e rapidamente. Caso sejam totalmente cortados, os preços mundiais poderiam subir 13%, segundo estimativa de dois economistas do Banco Mundial. Mas isso é improvável. O cenário mais factível, no qual os subsídios ao algodão seriam cortados em cerca de 30% - e os subsídios à exportação, eliminados -, traria alta de menos de 5% da cotação.

Enquanto isso, a Índia poderia impor uma taxa compensatória sobre o algodão. Mas o baixo preço da fibra agrada à indústria têxtil, disposta a aproveitar o fim do regime de cotas globais, em 2005. A tarifa indiana sobre a importação de algodão é de 10%, menor que a de outras commodities, como o açúcar. O algodão barato mantém as têxteis ocupadas. Caso os subsídios fossem eliminados, a Índia perderia o equivalente a US$ 84 milhões, segundo os economistas do Banco Mundial.

Na teoria, a resposta aos problemas dos agricultores é fácil: abandonar o plantio e começar a trabalhar nas fábricas de processamento. Mas as custosas leis trabalhistas do país inibem o emprego industrial e a falta de uma rede de segurança social deixa os agricultores dependentes de seus lotes marginais de terra.

Há uma profunda ironia histórica em toda a situação. O algodão de fibras longas da Índia foi introduzido pelo Reino Unido no século XIX para alimentar as fábricas em Lancashire. Ali, as roupas baratas quebraram as fábricas indianas, já que os artesãos foram tirados do negócio. Hoje é a indústria têxtil da Índia vive um renascimento. Pior para os agricultores.