Título: Lula vai ao Uruguai com Argentina e EUA na bagagem
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Brasil, p. A6

Mais do que a insatisfação dos sócios menores do Mercosul, Paraguai e Uruguai, com as chamadas "assimetrias" comerciais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá que lidar na próxima segunda-feira com um tema que vem evitando há meses: a briga entre o Uruguai e a Argentina pela instalação de uma fábrica de papel e celulose da empresa finlandesa Botnia, às margens do Rio Uruguai. Embora a agenda da viagem presidencial não estivesse fechada até ontem, fontes da chancelaria brasileira admitiam que o assunto poderá ser colocado na reunião entre o presidente brasileiro e o uruguaio, Tabaré Vazquez, mesmo que não esteja na pauta oficial.

Lula, a pedido de Tabaré, deverá ser recebido, não na sede de governo em Montevidéu, mas na estância de Anchorena, uma espécie de "Granja do Torto" do Uruguai, uma casa de campo da presidência que fica cerca de 20 km da cidade histórica de Colonia do Sacramento, há 200 km de Montevidéu. Será ali também que, no dia 10 de março, Vazquez receberá a visita do presidente americano George W. Bush. De acordo com fontes da chancelaria, a escolha da residência de Anchorena dá um certo aspecto de "reservado" ao encontro.

Lula encontrará Vázquez poucos dias antes da viagem do presidente norte-americano George W. Bush, que fará um périplo por Brasil, Uruguai, Colômbia, Peru e México a partir de 8 de março. Segundo a imprensa uruguaia, Vázquez pedirá tratamento especial a produtos uruguaios. Uma aproximação direta entre os dois países poderia resultar na saída do Uruguai do Mercosul e no fracasso dos esforços do presidente Lula de fortalecer o bloco.

Embora a visita ao Uruguai vá ocorrer convenientemente antes do encontro de Vázquez com Bush, isso é apenas uma coincidência: a viagem de Lula já estava agendada há alguns meses. Em dezembro de 2006, o presidente cancelou sua participação na Cúpula Ibero-americana, em Montevidéu. Faltou ao encontro para descansar do estresse da campanha eleitoral.

A questão da fábrica na fronteira com a Argentina é extremamente delicada. A população argentina da cidade de Gualeguaychu, que fica em frente a Fray Bentos, no Uruguai, onde a fábrica da Botnia já está mais de 80% construída e prestes a ser inaugurada, bloqueou a ponte internacional sobre o rio Uruguai, que liga os dois países, em protesto pela construção da usina. Eles argumentam que a fábrica vai poluir o rio e afastar o turismo, única fonte de renda da cidade. Em articulação com cidadãos de outras duas cidades fronteiriças, Concordia e Colón, os manifestantes de Gualeguaychu conseguiram fechar as três pontes que ligam a Argentina ao Uruguai. O único acesso atualmente é por barco.

O governo uruguaio entrou na Justiça internacional contra a Argentina, pedindo ao tribunal de Haia, na Holanda, que o governo de Néstor Kirchner tome alguma providência para abrir as passagens que, segundo cálculos do governo uruguaio, já causou prejuízo de mais de US$ 500 milhões em comércio e turismo impedidos pela interrupção das pontes.

Até agora, atendendo a pedido do governo argentino, o Brasil tem ficado fora da discussão, o que desagrada o Uruguai, que exige um posicionamento firme do maior sócio do Mercosul. Segundo as fontes da chancelaria, o presidente Lula vai tentar centrar a conversa nos temas bilaterais, apresentando o que considera avanços nas questões que têm mais relevância econômica. Entre eles, o estímulo a empresas brasileiras que decidam se instalar em território uruguaio, com uma linha especial de crédito do BNDES que financia a importação de bens e serviços provenientes do Uruguai e Paraguai.

Lula vai mencionar que grandes empresas brasileiras como a Petrobras, a cervejeira Ambev, a siderúrgica Gerdau, os frigoríficos Friboi e Marfrig e o banco Itaú - que chegará ao país com as operações do BankBoston, compradas do Bank of America há um ano e meio - são provas do interesse brasileiro no reforço da economia uruguaia.

No entanto, será difícil escapar do reclamo uruguaio pelas desvantagens que o país tem com o Brasil. Há três anos o Brasil está levando vantagem crescente no comércio com o Uruguai, e teve superávit de US$ 388 milhões em 2006.

Por esse motivo, Vazquez vem ameaçando assinar um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, argumentando a necessidade de incrementar o comércio de seu país com o mundo, já que a relação com os sócios preferenciais do Mercosul tem sido desfavorável. Os governos brasileiro e argentino já haviam rechaçado a intenção do Uruguai, argumentando que o TLC fere "o coração" do Mercosul, a Tarifa Externa Comum (TEC). O TLC implica a concessão de tarifa zero nas trocas comerciais. Se fechasse um acordo do tipo com os EUA, o Uruguai estaria abrindo as portas do Mercosul para produtos americanos sem o consentimento dos sócios.