Título: Europeus tomam dianteira contra aquecimento global
Autor: Valor Online
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Opinião, p. A12

Enquanto os Estados Unidos, o maior poluidor do planeta, se recusam a aderir às iniciativas mundiais contra o aquecimento global, a União Européia resolveu tomar a dianteira e, unilateralmente, estabelecer compromissos ambiciosos de redução das emissões dos gases que provocam o efeito estufa. Anunciada há um mês pelo presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, a proposta de corte de 20% nas emissões até 2020 foi aprovada pelos ministros do Ambiente da UE. Resta agora definir as formas de atingir esse objetivo, que deverão variar de acordo com a situação dos 27 países do bloco.

A iniciativa européia deverá intensificar a pressão sobre o governo americano, interna e externamente. Vários Estados americanos, mesmo os governados por republicanos, partido do presidente George W. Bush, já aprovaram leis que aprimoram os controles das agressões ao meio-ambiente, estimulam a economia de energia, reduzem as emissões e incentivam o uso de tecnologias alternativas. Grandes empresas americanas, em atitude pouco usual, foram ao Congresso para pedir que os EUA se engajem no combate ao aquecimento. As conclusões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas traçaram um panorama sóbrio e assustador do futuro do planeta se o aquecimento global seguir a progressão atual. Mas os EUA sequer ratificaram o Protocolo de Kyoto, cuja meta de corte das emissões em 5,2% em relação ao nível de 1990, até 2012, tornou-se tímida e insuficiente.

A União Européia está disposta, em princípio, até mesmo a ampliar suas metas. Caso os demais países desenvolvidos também resolvam adotar medidas para cortar em 20% as emissões de gases nocivos, a UE poderá ter como alvo uma redução de 30%. Não é uma tarefa fácil. A dificuldade em definir qual a cota de restrições a cada país - o principal ponto de impasse nas negociações globais - terá de ser enfrentada na escala menor das 27 nações.

A Alemanha aceita assumir parcela maior da redução, enquanto que os países do Leste europeu, ex-comunistas, deverão ter margens maiores para poluir. Eles deram contribuição importante depois que se tornaram economias de mercado, quando seus níveis de emissão se reduziram bastante, mas voltaram a subir depois. O governo polonês argumenta que a mudança de regime trouxe um desaquecimento geral nas economias do ex-bloco soviético, o que torna complexa a definição do ponto de partida a ser tomado como base para a redução das emissões. 1990 - ano seguinte à queda do Muro de Berlim -, por exemplo, teria sido um ano atípico.

O governo Bush escamoteou a pressão ambientalista ao propor um corte de 20% no consumo de combustíveis no país até 2020 e a aceleração do uso de energia alternativa, como o etanol à base de milho. Como sempre nestas questões, Bush propõe pouca ação, tarde demais. O princípio que norteia a redução é diminuir a dependência do petróleo proveniente do politicamente explosivo Oriente Médio. Depois, há sérias dúvidas sobre se o etanol é capaz de cumprir este papel redentor. Se a função da energia alternativa é substituir ao máximo possível o combustível fóssil, o milho tem graves inconvenientes. Como apontou o ex-secretário do Meio Ambiente, José Goldemberg, o ganho ambiental do etanol extraído do milho é baixo. Para cada litro obtido gasta-se quase outro litro de combustível fóssil na forma de pesticidas, fertilizantes e energia para máquinas utilizadas no plantio e colheita ("O Estado de S.Paulo", 20 de fevereiro). Esta relação, no caso da cana-de-açúcar, base do programa brasileiro, é de apenas um décimo de litro de combustível para cada litro de etanol. E subprodutos, como o bagaço, ainda podem ser usados na produção de energia.

A predominância dos democratas na Câmara e no Senado, a pressão dos empresários e dos governadores e o estímulo dado pelas decisões da União Européia podem forçar Bush a tornar-se mais flexível nesta questão. A posição dos europeus pode assegurar a continuação das ações de Kyoto em 2012 com um ímpeto maior e mais abrangente. E o unilateralismo de boa índole da UE é um exemplo de peso a mais para que China, Brasil e Índia, que estão entre os países emergentes que mais poluem, aceitem engajar-se em metas de redução de emissões, das quais escaparam até agora.